Adora crianças e diz que é um bocadinho obsessivo. Sérgio Praia, o ‘Manuel’ de ‘Rosa Fogo’ (SIC), fez-se actor a pulso e contra a vontade dos pais, que agora aplaudem-no.
- Ao ler o argumento de ‘Rosa Fogo’ pensou que o ‘Manuel’ ia ter este protagonismo?
- Não. Percebi que havia uma grande carga emocional. Mas o que pensei foi: "Vamos lá, vamos estar mais à-vontade e curtir isto".
- Sentia-se tenso a fazer televisão?
- Sim. Sempre entrei a meio dos projectos e quando isso acontece sentimos que a coisa não é nossa e andamos à procura do nosso espaço.
- Sente-se mais à-vontade no palco?
- É uma linguagem que conheço melhor.
- Como é que preparou o ‘Manuel’?
- Falei com alguns inspectores da Polícia Judiciária e foi muito engraçado, porque a ideia que temos é que são homens muito duros e eu conheci pessoas comuns. E trabalhei muito com séries, sobretudo com a ‘24’, que tem uma personagem com uma profissão de risco e, por isso, quem ama pode estar em risco.
- O ‘Manuel’ ama a ‘Sofia’ [Anabela Teixeira]. Vão usá-la contra ele?
- Logo verão. Mas foi interessante saber como defender o meu ninho, a mulher que amo.
- Ficou surpreendido com a vida dos inspectores da Judiciária?
- Fiquei. Há casos muito complicados, sobretudo quando metem crianças. Mexe com sentimentos que uma pessoa acha sempre que nunca vai passar por eles.
- Tem filhos?
- Não. Tenho um irmão mais novo.
- Mas gosta muito de crianças?
- Gosto e em adolescente vi muitas crianças serem maltratadas.
- Em Ovar, onde nasceu?
- Sim. Vi-as serem maltratadas pelo lado psicológico. As pessoas muitas vezes nem se apercebem porque, hoje em dia, estamos tão escravos do trabalho...
- Não há disponibilidade mental para as crianças?
- É verdade. E às vezes... Custa-me as pessoas não terem paciência.
- Está a morar em Lisboa. Com que frequência vai a Ovar?
- Não vou. É complicado. Tenho lá os meus pais, falo com eles e eles vêm cá.
- Não gosta da sua terra?
- Desde miúdo que queria sair dali. Nesta área, que eu sempre quis, não tem nada e o meu sonho sempre foi sair para conhecer outros mundos e cidades mais abertas. Eu nasci numa praia, no Furadouro. Adoro aquilo, mas não tenho disponibilidade para ir lá. Felizmente, tenho tido muito trabalho.
- Mas quando se gosta...
- Sim, mas já estive lá muitos anos [risos].
- Não tem amigos de infância?
- Tenho e ultimamente, por causa da telenovela, têm-me telefonado muitas pessoas com quem me dei muito bem. É bonito.
- Está a ficar famoso com o ‘Manuel’?
- É bom perceber que a personagem está a chegar às pessoas. Elas vêm ter comigo, muito emocionadas. E eu fico feliz por chegar a elas.
- Não lhe faz confusão as pessoas confundirem o actor com a personagem?
- Eu compreendo, porque é a maneira como chegamos a elas. Não sabem o meu nome, sabem o nome da personagem e a minha função é essa. Não estou aqui para as pessoas me conhecerem como Sérgio Praia.
- Mas gostava de ser reconhecido?
- Claro que sim, mas tenho tempo. Não tenho pressa.
- Vejo que está a conseguir lidar com a fama!
- Não me aborrece. Até gosto quando falam comigo, porque faço isto para elas. Eu gosto de pessoas, gosto de tocar as pessoas, acho que isso é das coisas mais bonitas desta profissão. É aí que sinto que vale a pena.
- Em teatro já tem uma carreira longa. Está a aperceber-se do poder da televisão?
- Eu já tinha uma ideia. Desde miúdo que sabia que a televisão tem muito poder. Nunca pensei que chegaria a fazer isto, mas não é uma coisa da qual eu tenha medo.
- Fez-se actor porquê?
- Sempre quis. Não me lembro de ter querido outra coisa. Desde a terceira classe imitava as cenas das telenovelas brasileiras e encenava na escola com as miúdas.
- Com as miúdas?
- Sempre. Eles não queriam. Eu era o único rapaz. Eles só gostavam de bola. Mas fazíamos coisas giras e as minhas professoras sempre me deram muito apoio.
- Teve de lutar para ser actor?
- Tive de lutar bastante. É normal. Os meus pais tiveram uma educação em que o trabalho era para ganhar dinheiro e queriam que eu ficasse ali perto. Mas eu sempre tive uma grande ânsia de sair dali.
- E quando ‘ganhou asas’ foi complicado?
- Ao início foi um bocadinho. E como a nível monetário não tive grande ajuda, fui obrigado a trabalhar em obras e em coisas que não tinham a ver comigo.
- Que idade tinha?
- Dezassete anos e fazia tudo para pagar a casa onde estava na altura, no Porto, porque não tinha onde dormir. Mas hoje faria tudo da mesma maneira.
- Diz isso porque chegou aqui?!
- Claro. Na altura não foi nada fácil e tive de pedir muitos favores. A importância de ter um sítio, um quarto... Sempre foi das coisas pelas quais eu mais lutei. Muitas vezes, no Porto, tinha de pedir dormida a alguém e fui-me apercebendo de que ter um sítio é um descanso para a cabeça.
- Vive muito as personagens?
- Vivo, mas não preciso de me cortar para saber o que é um corte.
- São sempre personagens muito trabalhadas e emotivas?
- Já fiz coisas mais leves mas normalmente... E ainda bem. Eu gosto de pessoas com um gráfico estranho. Que fujam ao normal, que não tenham sempre o mesmo registo, gosto de desequilíbrios, como gosto de estar sob grande pressão. Acho que essas pessoas estão sempre a tentar viver melhor o dia seguinte e todos temos qualquer coisa que não bate certo, essa é que é a riqueza do ser humano.
- E é por isso que precisa do seu espaço? Para se reencontrar?
- Completamente. Viajo pouco e preciso de estar num sítio onde não ouça nem um passarinho.
- E agora vive numa casa ou num quarto?
- [risos] Já tenho a minha casa.
- Os seus pais vêem a telenovela?
- Sim, e dizem que aquilo em Ovar é um ‘forrobodó’. A minha mãe diz-me que lhe ligam...
- E agora aplaudem?
- Claro. Isto depois muda, com o reconhecimento. Eles já tinham visto trabalhos meus, mas a televisão tem outro poder.
- O que é que faz nos tempos livres?
- Gosto muito de ler, leio muitas peças de teatro, gosto de ver séries e de estar com amigos. Sou uma pessoa caseira. Gosto de andar a pé e gosto de ter tempo para não andar a correr. Actualmente faço muito ginásio, porque deixei de fumar há quatro meses. E ‘puxar ferros’ ajuda-me a não pensar no tabaco.
- Deixou de fumar por uma questão de saúde?
- Não. A primeira vez que fui a um ensaio da telenovela... Eu sempre gostei muito da Anabela Teixeira e tinha de beijá-la. E ela beijou-me logo e a minha primeira reacção foi: "Que horror, ela beijou-me e eu estou a cheirar a tabaco". Naquele dia disse que ia deixar de fumar. Não podia obrigar uma colega minha a levar com o meu cheiro. E a partir daí, nunca mais.
- É obsessivo?
- Sou um bocadinho, o que tem coisas boas e coisas más. Deixar de fumar foi bom.
- E gosta de Lisboa?
- Adoro. A primeira vez que cá estive, em 1997, a trabalhar para o D. Maria, lembro--me de que odiei porque era enorme. E esta coisa de não se conhecer ninguém é muito agressiva. Sente-se que toda a gente tem um ritmo alucinante, até para pedir uma sopa eu ficava envergonhado. Mas sempre tive a vontade de vir para cá.
- Tem namorada?
- Neste momento não tenho. Também não tinha tempo.
- Mas revê-se no amor que o ‘Manuel’ tem pela ‘Sofia’?
- Ele é muito intenso nesse amor. Desespera quando pensa que ela pode deixar de existir. Até é um bocado obsessivo por ela. Nisso difere de mim. Eu não ficaria a tremer se ela não me telefonasse num período de quatro ou cinco horas. O ‘Manuel’ fica.
- Ele teme perdê-la...
- Sim. E eu percebo-o e acho muito bonito. Eu acredito muito na química entre as pessoas, entre os actores, neste caso. E a química com a Anabela foi de uma simplicidade... Se não tivesse havido tanta química, se calhar o ‘Manuel’ não era tão intenso. Mas ele tem de ter um ponto fraco, porque é muito racional e frio na profissão, como inspector da Judiciária.
- E o Sérgio nunca se esqueceu de si numa relação?
- Até agora nunca me esqueci.
- E gostava de ter filhos?
- Gostava. E isso é uma das coisas que difere do ‘Manuel’. Ele diz-lhe mesmo que prefere não ter filhos a perder a ‘Sofia’. Mas espero que tenham um final feliz, com a criança que está para nascer. Quem sabe... A verdade é que aquilo acontece. É a possibilidade de nunca mais ver aquele ser. Foi a isso que eu me agarrei. É uma dor. Ainda por cima, um ser com outro dentro é uma coisa que me aterroriza. Penso muitas vezes nisso.
- Com esta personagem está a gostar mais de fazer televisão ou continua a preferir o teatro?
- Eu gosto muito de fazer teatro. É o meu amor, digamos. Mas estou a gostar mais de fazer televisão.
INTIMIDADES
- Quem gostaria de convidar para um jantar a dois?
- Há uma pessoa que eu adorava conhecer. Uma actriz que adoro e da qual sou fã e gostava de falar com ela sobre isto de ser actor: a Rita Blanco. Ela tem o que eu anseio, trabalhar para as pessoas e viver normalmente. E depois deste filme, ‘Sangue do Meu Sangue’, gostava muito de a conhecer.
- Quem é para si a mulher mais sexy do Mundo?
- A mulher em si é sexy. É dos seres mais bonitos.
- O que não suporta no sexo oposto?
- A mentira. Mas tanto os homens como as mulheres mentem.
- Qual é o seu maior vício?
- Ser perfeccionista.
- Qual foi o último livro que leu?
- Uma biografia do Brecht.
- O filme da sua vida?
- Há um que vejo muitas vezes, ‘Morte em Veneza’. E ‘Crepúsculo dos Deuses’.
- Cidade preferida?
- Rio de Janeiro.
- Um desejo?
- Fazer cinema. Porque sei que vou amar e pode vir a ganhar ao amor que tenho pelo palco.
- Complete. A minha vida é...
- ... terra batida.
PERFIL
Sérgio Praia nasceu no dia 2 de Julho de 1977 no Furadouro, em Ovar, onde fez o ensino básico e secundário. E foi na escola que descobriu que queria ser actor. Aos 17 anos, contra a vontade dos pais, e com uma mochila às costas, mudou-se para o Porto, onde começou a trabalhar para pagar os estudos.
Faz teatro e participações esporádicas em televisão, onde ganhou protagonismo com ‘Manuel Dantas Figueira’, o inspector-chefe da Polícia Judiciária da telenovela ‘Rosa Fogo’, da SIC.
CM
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