A liderar a ficção em Portugal com o 'remake' de 'Dancin'Days', o autor Pedro Lopes evita identificar as fragilidades da TVI. No mesmo dia em que escreveu o último episódio, a 31 de janeiro, o argumentista prometeu à Notícias TV que o fim da novela vai ser diferente, mas ri-se quando confrontado com aumentos de salário e convites da concorrência.
Dancin'Days está a liderar. Está surpreendido com a sua própria criação?
Não é uma questão de estar surpreendido. Sempre que damos o nosso melhor, ambicionamos sempre muito e, quando conseguimos concretizar as nossas ambições, isso traz uma satisfação enorme. O resultado que a novela fez no domingo [27 de janeiro, com um milhão e 671 espectadores, vencendo à estreia de Destinos Cruzados, TVI], e que não é um horário habitual na novela, demonstra que é um projeto especial. Olhámos com surpresa para os números quando a novela se estreou, mas realmente, hoje em dia, a forma como está consolidada não me surpreende assim tanto.
O que aconteceu então à ficção da TVI?
Isso é outra pergunta...
Sim, mas quando olha para a concorrente que tem sido líder ao longo de anos e que agora tem vindo a perder no horário, tal como sucede com a nova novela Destinos Cruzados, o que acha que mudou para que Dancin' Days liderasse?
A diferença realmente é muito expressiva, mas o resultado que estamos a ter, com audiências de 17%, eram números que tínhamos alcançado há algum tempo.
Mas não desta forma sustentada...
Não com esta diferença. Mas também acabou a Casa dos Segredos. Neste confronto direto com a ficção, a SIC conseguiu um feito notável que é o de, em tão pouco tempo, cerca de dois anos, conseguir pôr a ficção no primeiro lugar do top. Isso é um feito que, de alguma maneira, é inesperado mas que, para nós que fizemos uma novela tão longa, foi importantíssimo. Acabei hoje o último capítulo [quinta-feira, 31 de janeiro], portanto, foi muito importante canalizar essa energia para escrever uma novela que foi mais longa do que Laços de Sangue.
Antes de irmos ao último capítulo de Dancin' Days, reitero a pergunta: o que, no seu entender, está a acontecer à ficção da TVI?
Não sei.
Mas como autor?
Acho que é desagradável estar a identificar... Há pessoas com quem já trabalhei e que respeito e às vezes não é nada e é tudo ao mesmo tempo.
Escreveu agora o último capítulo, mas numa novela cujo final é conhecido há 35 anos, qual é a novidade no fim do remake?
A novidade foi o próprio remake, o trabalho de transformação da novela que foi muito grande, preservando aquilo que, nas conversas com o Gilberto Braga, era essencial preservar: a relação daquelas três mulheres, Raquel (Soraia Chaves), Júlia (Joana Santos) e Mariana (Joana Ribeiro). A partir daí tivemos de surpreender o público, conhecendo a facilidade que hoje existe por parte do público no acesso aos produtos, como por exemplo o Dancin' Days editado em DVD no Brasil. Queremos surpreender e arranjar soluções diferentes.
E que soluções são essas?
[sorrisos] Não há nenhum ponto de contacto entre este remake e a versão original.
Então, as protagonistas não vão acabar da mesma maneira?
A história não vai terminar da mesma maneira.
Como assim?
A história original termina com a Júlia e a Raquel a lutarem no chão de Dancin' Days e a fazer as pazes.
Isso não vai acontecer desta vez?
Isso não acontecerá no final da novela.
Elas não vão acabar reconciliadas?
Não é o que estou a dizer...
Então, acabam reconciliadas mas não no chão...
[risos e silêncio...]
É uma nuance!
As personagens vão sofrendo várias fases e até já as vimos reconciliadas no ecrã. Estamos a falar de uma novela que no seu original teve 170 capítulos de meia hora. Agora estamos a falar de 331 de 45 minutos. Portanto, há todo um desenvolvimento narrativo que é muito diferente. Como as personagens evoluíram de tal maneira, já não faz sentido procurar pontos de contacto. E mesmo que as quiséssemos fechar de determinada maneira, já não era possível.
Agora que escreveu o último episódio, o que sente? Alívio ou tristeza?
Senti um enorme orgulho pelo projeto porque estes anos em que tenho estado na SP Televisão têm sido muito especiais. PerfeitoCoração, Laços de Sangue e Dancin' Days foram novelas importantes. Acho que, de alguma maneira, as duas últimas vão ficar na memória dos espectadores e que daqui a uns anos serão recordadas. Acredito nisso!
Mas com tanto aumento do número de episódios, não sente alívio?
Para mim não é acrescento, é contar uma história. Nós, por vezes, até brincávamos quando dizíamos: "Agora dava jeito haver aqui mais alguns episódios [risos]." A forma como as personagens estavam construídas e terem tanta humanidade permitia-nos continuar a história. Por vezes ouvimos autores dizer que foi extremamente doloroso escrever uma novela. Para mim foi um prazer enorme, e chegar ao fim de Dancin' Days não é um alívio nem deixa uma saudade. É um orgulho enorme.
E agora, vai de férias?
Vou.
Vai ficar por Portugal ou vai para fora das fronteiras?
[risos] A ver... porque tenho de começar já rapidamente na nova novela, mas para já vou descansar.
O que é que a sua nova história da SIC tem para ganhar um concurso interno?
Isso terá de perguntar à SIC [risos]. Eles é que fizeram a avaliação dos projetos.
Mas que linhas gerais tem o projeto para bater os outros candidatos?
Não posso contar, os timings só podem ser definidos pela estação.
Continua com projetos na RTP, como Sinais de Vida...
Sinais de Vida e Depois do Adeus são de outros autores que colaboram com a SP Televisão. Como diretor de conteúdos, obviamente que discuto com os argumentistas os projetos, mas não assino projetos que não escrevo. Tem de se dar o mérito a quem faz as coisas diariamente e a quem está lá a mostrar o seu potencial criativo, tem de haver espaço para outros autores e é esse o nosso objetivo na SP Televisão: formar novos autores e dar-lhes visibilidade.
Nas suas novelas, que têm vindo a crescer de auditório como Laços de Sangue e Dancin'Days, o que é seu e o que é contributo da TV Globo?
Nestas coisas há o input da Globo, da SIC e de outras pessoas da SP. O que acho que é meu é o facto de refletir o estado da nossa realidade, os temas quentes em termos sociológicos e que, de alguma maneira, podem atormentar as pessoas em determinado momento e fazer disso a força das personagens. Portanto, não procuro inspiração noutras séries ou novelas, procuro-a nos jornais, que é muito mais interessante.
Um exemplo recente...
Bom, puxado assim, é complicado.... até porque posso estar a usar para a nova história [risos]. Mas há tanta coisa que às vezes não é notícia. Olhe, a forma como as pessoas vivem a realidade....
Viver com duodécimos é um assunto que cabe numa novela?
Viver com menos dinheiro ou com o fantasma da crise, as reações que as notícias da crise provocam na nossa forma de gerir o nosso orçamento familiar, o nosso dia a dia, o arriscar mudarmos de trabalho, o que compramos no supermercado, tudo isso influencia, tem impacto na nossa vida.
Mas sendo um assunto pesado, tem espaço nas novelas?
A crise tem sido tratada nas minhas novelas. Perfeito Coração começou com uma manifestação, dois meses depois de uma das maiores manifestações que a CGTP [central sindical] tinha feito em Lisboa. Em Laços de Sangue havia uma fábrica que estava em processo de falência, isto num momento em que se começava a falar nisso. No Dancin'Days fomos para um outro tipo de realidade com a Áurea [Custódia Gallego] e as doenças do foro psiquiátrico porque o aumento na venda de medicamentos, de antidepressivos, é um assunto de jornal e de estudos a que temos acesso. Num país em que o casamento homossexual é permitido, faz sentido abordar o tema de outra maneira. Não só do lado cómico e histriónico, mas da dificuldade em assumir a orientação sexual numa outra idade, que foi o que fizemos com Aníbal [Vítor Norte]. Há uma série de temáticas que podemos abordar não do ponto de vista económico, mas do ponto de vista social.
Faz lembrar o autor brasileiro Manoel Carlos, que advoga o tratamento sociológico dos grandes temas. Ele é uma referência para si?
Os grandes autores das novelas da noite da Globo são grandes referências e o Manoel Carlos tem impacto em Portugal, embora eu não me queira, de maneira nenhuma, colar a outros autores. Temos de descobrir o nosso caminho e temos de nos afirmar como autores. As minhas referências vêm do cinema, da literatura e das vivências do dia a dia.
Com tanto trabalho, como consegue ter vida própria que depois lhe permita escrever?
Não é fácil, mas também não é difícil porque fazemos o que gostamos. Quantas pessoas têm a felicidade de se realizarem profissionalmente e de ir para casa com a enorme satisfação com o que fizeram durante o dia?
Com as audiências alcançadas, tem um ordenado mais alto?
Não me preocupo com isso. A SP tem-me valorizado, sinto-me bem onde trabalho, gosto das pessoas com quem trabalho, isso é um fator importante. Portanto, o que me leva a escrever não é o dinheiro ou a fama.
É mais bem pago hoje do que há cinco anos...?
[pausa] A televisão, como outras profissões, não vive momentos de à-vontade. Se calhar, há 15 anos, os autores ganhavam muito mais... Quem escreve e quem está nisto está por paixão, não é pela visibilidade, não é pelo dinheiro. Obviamente que é importante para viver...
Vai ter direito a renegociar o cachê depois de Dancin' Days?
Nem sequer penso nisso.
E a TVI já lhe piscou o olho?
[pausa] Eu acho que as pessoas me veem tão satisfeito no sítio onde estou, na SP Televisão... Neste momento não penso em nada disso.
Não pensa nisso, mas outros, sim. Já foi convidado?
Não, não fui [risos].
Está a rir-se porque...
[risos] Estou muito bem..
Se fosse convidado, iria?
Estou muito bem na SP Televisão e é onde quero estar. E toda a gente sabe disso [risos].
CM
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