E, de repente, um cenário inclinado pôs toda a gente a falar de um programa de televisão. João Manzarra diz que apresentar 'Vale Tudo' é como conduzir um Ferrari. Nesta entrevista, fala da infância feliz em Lisboa, dos ídolos que o inspiraram e de... contos de fadas.
Vale tudo para ter sucesso?
[sorriso] Não, não vale. Não vale mesmo tudo para ter sucesso. Vale aquilo que faz sentido e que não mexa com a minha dignidade. E isto não é um recado para ninguém [risos].
Porque sentiu necessidade de dizer isso?
[Gargalhada prolongada] Porque não é mesmo recado nenhum [pausa]. Não vale tudo a partir do momento em que há uma série de coisas que eu não faria para ter sucesso.
Está a pensar em determinado tipo de programas?
Não. Sou incapaz de dizer que há programas que não faria. Mas sei que há programas que, nesta fase da minha carreira, não estaria preparado para conduzir. Não me sentiria preparado para fazer alguns programas.
Reality shows?
Por exemplo. Mas não tenho nada contra os reality shows. Aliás, até sou consumidor de algum tipo derealityTV, se calhar, um género mais documental. Há formatos que podem ser interessantes. Mas, neste momento da minha carreira, prefiro conduzir outros formatos. Mas, atenção, há realities que são muito bem conseguidos e produzidos e que funcionam na perfeição.
Quando diz que nesta fase da carreira prefere apresentar outros formatos, é porque tem medo de ficar colado a determinados programas?
Não, não tem nada que ver com isso. Acho que os apresentadores separam-se dos programas. A competência dos apresentadores não fica ligada a determinado tipo de formato.
Não? Não acha que Teresa Guilherme tem a sua imagem completamente ligada a reality shows?
Não era nesse sentido que falava. Já tive programas em que, a nível de conteúdo, não me sentia tão confortável e mesmo assim fi-los, e não creio que os tenha feito mal...
O TGV foi um desses programas?
Esse foi a minha primeira experiência neste tipo de formato de entretenimento e foi difícil porque gravávamos em Madrid. Ou seja, comecei logo a gravar fora de Portugal, com uma equipa diferente, em que havia alguma distância no trato. O público era espanhol, a língua era outra. Enfim, foi um programa bastante delicado. A nível de conteúdos era puro entretenimento.
Como este Vale Tudo, que tem andado à volta de um milhão de espectadores. Não chega para ser líder, mas quase duplicou a audiência da SIC ao domingo à noite. O que é que este programa traz de novo a si e à televisão portuguesa?
Traz um refrescar do antigo. É um programa assumidamente familiar, com uma competição muito saudável que parece não existir, mas existe. É o jogo pelo jogo. Diversão pura e simples, nada mais. Além disso, acho que Vale Tudo traz uma estética diferente. Mudar para a SIC ao domingo à noite traz uma boa energia, uma imagem limpa e moderna e acho que é um programa muito divertido. É um programa que serve para desanuviar, para distrair, em que as pessoas podem estar todas reunidas em frente do televisor.
Nas três primeiras sessões, Vale Tudo concorreu com Casa dos Segredos e perdeu sempre, mas, sobretudo, no momento do Cenário Inclinado, conseguiu excelentes resultados, até à frente da TVI. Acha que se pode falar em sucesso?
Claro que sim. Muito francamente, acho que o programa vai ser um sucesso. Está a correr bastante bem e estão reunidos os ingredientes para que continue a ser. E não falo só de audiências, porque tento sempre afastar-me dessa questão das audiências.
Mas não pode, sabe? Não pode até porque está numa estação privada...
[risos] Eu sei, eu sei, mas tento sempre abstrair-me disso, porque é uma pressão e pode ser perigoso mesmo a nível emocional.
Mas está absolutamente dependente delas. Como faz isso?
Sim, tem razão, mas tento não estar amarrado às audiências. Não celebro muito quando o programa corre bem a nível de audiências nem fico deprimido quando corre mal. Relativizo sempre um bocadinho. Todos sabemos que a polémica e os escândalos dão muita audiência. São coisas com que prefiro não me envolver. O que é verdadeiramente importante para mim é a qualidade.
"No início torci o nariz a 'Vale Tudo'
E sendo que Vale Tudo não tem polémica, não tem escândalos, não tem palavrões nem mamas à mostra, surpreende-o que tenha um milhão de espectadores a vê-lo?
[risos] É verdade. Quando a Gabriela Sobral me apresentou o programa e me explicou o conceito, torci um bocadinho o nariz. Porque é um programa que explicado não funciona. Mas mal vi a versão francesa, que é o original, percebi que tinha um grande formato em mãos. E isto vive muito da própria energia dos concorrentes. E do facto de, apesar dos concorrentes fazerem as figuras mais ridículas, não haver qualquer componente de gozo. Os convidados saem sempre por cima. Apesar de estarem ali a escorregar, aos trambolhões e a rebolar-se no chão, não são palhaços. São profissionais que estão ali e que encaram aqueles jogos com muita seriedade. Sabem que fazem parte de um espectáculo e que o sucesso do programa depende deles.
Mas é preciso ter estofo para ir ali...
[risos] Acredite, temos recebido muitos pedidos. Há muita gente do meio que nos manda mensagens a oferecer-se para ir. O programa é muito divertido e as pessoas percebem que não vão ali para serem gozadas. Vão para participar num programa de entretenimento puro e que, sobretudo, vão rir e divertir-se muito. Há muito que a televisão portuguesa não tinha esta componente. E isso é tão importante...
Pensar que um milhão de pessoas pode estar de olhos pregados no ecrã a ver um jogo de mímica entre duas pessoas é quase a desconstrução do universo televisivo. É o regresso ao básico.
Exatamente. A receita é tão simples que resulta. Eu, que não falo francês, vi quatro programas franceses de uma ponta à outra e entretive-me com a energia, com a diversão dos concorrentes. Mas é preciso ter concorrentes que se disponham a fazer as coisas. E, depois, há verdadeiros talentos. É impossível não rir com a qualidade do improviso do César Mourão. Ou com a disponibilidade mental e física do João Ricardo para o jogo e para a brincadeira. Confesso que estou muito entusiasmado com o projeto.
Sim, percebe-se. Até porque as pessoas têm dito que este programa é a cara do Manzarra. O que é isto de ser "a cara do Manzarra"? Não é um rótulo perigoso?
[pausa] Não, acho que não. As pessoas têm uma imagem preconcebida de mim...
É aí que quero chegar, precisamente. Que imagem é essa?
Todos temos ideias feitas sobre os outros. A imagem que as pessoas têm de mim é que sou uma pessoa espontânea, divertida, bem-disposta. E são esses os ingredientes deste programa. Daí dizer-se que este programa é a minha cara. Fico contente com essa associação até porque gosto de apresentar programas que eu veria enquanto espectador.
Já apresentou programas que não veria enquanto espectador?
Já [risos]. Já [pausa]. É evidente que os via numa perspetiva profissional, mas como espectador, não.
Um talento show como o Ídolos, por exemplo?
[pausa] Sou sincero: no Ídolos, por exemplo, houve uma má gestão do programa. Foram edições muito seguidas. Se calhar, o terceiro Ídolos eu já não tinha visto. Isto sem pôr em causa os concorrentes ou a qualidade do programa. Mas houve um surto enorme de talent shows, quer na SIC, quer na RTP, quer até na TVI. E dada a dimensão do país, deixou de haver matéria-prima e até o fator novidade se diluiu na oferta televisiva.
"Sei o que valho e as minhas lacunas"
Mas voltando à sua carreira e aos rótulos: sente-se um apresentador versátil? O João tem 27 anos. Provavelmente, quando tiver 40 não vai querer apresentar programas deste género...
[risos] Não acho que seja impeditivo de nada. O apresentador do formato original em França deve ter essa idade, mais coisa menos coisa. Mas, respondendo a essa questão da versatilidade, é uma pergunta interessante. Eu sou muito consciente daquilo que valho e sei perfeitamente quais são as minhas lacunas.
Quer partilhá-las connosco?
[risos] Sim, não tenho problemas desses. Ainda agora, numa análise que fiz aos primeiros programas do Vale Tudo, apercebi-me de que tenho alguma dificuldade em manter uma conversação com os convidados, em poucos minutos, só para quebrar o gelo e fazer a ponte entre os jogos. É uma estupidez. Conduzi o Curto Circuito em direto durante muito tempo: era um programa em que eu tinha de conversar com os espectadores. Mas, de facto, apercebi-me disso agora com o Vale Tudo. É algo que estou a trabalhar para melhorar.
O que se vê a apresentar daqui a vinte anos, quando estiver nos "entas"?
[pausa] Ui, isso é daqui a tanto tempo. Mas quero estar pronto para apresentar absolutamente tudo. Neste momento, como disse, sinto que me falta algum traquejo e alguma experiência de vida. Para ganhar versatilidade, sinto que preciso de mais vivência.
Vê-se a apresentar um programa das manhãs, por exemplo?
[risos] Se eu apresentar um programa das manhãs, vou ter de saber comunicar para outro tipo de público. Para mais as donas de casa, para os reformados. Vou ter de trabalhar cedo. Mas esse é o último dos meus desejos.
Porquê?
[risos] Isto vai soar tão mal... [risos] Porque odeio acordar cedo. Mas, a sério, para apresentar um talk show de day time, em que terei de falar com pessoas mais velhas, com mães e os seus problemas do dia a dia, se calhar vou ter de crescer, vou ter de ser pai, vou ter de amadurecer um pouco para conseguir ter uma conversa mais sólida sobre determinados assuntos. Neste momento, sei que sou um bocado o puto.
Sente a sua imagem muito colada a formatos mais jovens?
Sinto, mas também é natural, tenho 27 anos. Seria estranho que a minha imagem estivesse colada a outro tipo de programas. Tenho esta idade, não posso fazer nada. Além disso, a minha imagem está muito associada às redes sociais, porque fomento muito o meu trabalho no Facebook, porque cultivo muito o meu público. O meu discurso e o meu estilo acabam por ser mais virados para os jovens.
"A televisão é uma trituradora"
Mas aos 45 anos não vai poder ter esse discurso...
Não, não posso, mas também não sei se aos 45 anos vou estar a fazer televisão.
Não é uma coisa que lhe agrade, essa ideia, ou é algo em que não pensa para já?
Claro que gostava e trabalho para isso, mas é muito perigoso uma pessoa ser dependente do mundo da televisão.
Porquê?
[pausa] Porque há imensos casos de carreiras que, de um dia para o outro, acabam.
Sim, mas isso acontece com profissionais de televisão, como com advogados, escriturários ou eletricistas...
Claro que sim, mas a televisão é mais trituradora. Há um grande desgaste na nossa imagem. Basta que um programa corra mal. Basta uma fotografia em qualquer situação mal explicada para arruinar uma carreira. Tento proteger-me ao máximo, mas já percebi que é um meio muito perigoso. Quanto menos dependente estiver da televisão, melhor.
Quando diz dependente, pensa do ponto de vista financeiro?
Também, mas não só. Também do ponto de vista criativo. Se eu descobrir uma área criativa em que também me sinta bem e onde não tenha essa dependência, não hesitarei. É importante dentro desta área da comunicação não me cingir apenas à televisão.
Por isso é que é tão ativo na internet?
Sim, porque a internet é uma espécie de laboratório para quem trabalha em televisão. Daí ser tão importante, sobretudo na aproximação aos públicos mais jovens. Eu tenho como plano A ser apresentador, mas tenho como plano B uma componente mais empreendedora do ponto de vista de produção de novos projetos. Há muitos amigos que me enviam pilotos e projetos para ver se eu estou interessado em participar ou mesmo produzir. E essa é uma área que também me seduz.
Percebo que isso também o realize, mas será isso que o alimenta financeiramente?
[pausa] Pois, não sei.
Nesse campo, a sua vida será sempre a televisão...
Sim, mas eu não quero ficar dependente da televisão.
Acho um discurso interessante, mas bastante surpreendente para quem tem apenas 27 anos...
[risos] Porquê?
Porque não é habitual um jovem ter esse receio. Um jovem com 27 anos, que ainda por cima tem sucesso na televisão, é o dono do mundo, tem o futuro todo para si. Não tem receios desse tipo...
[sorriso] Eu tenho ambição, quero seguir esta carreira, mas preocupo-me com a dependência. Não quero ter de engolir alguns sapos. Quero poder fazer aquilo de que gosto e ter mais poder de decisão sobre aquilo que faço. Quero ter margem para um dia, se me apresentarem um programa com o qual me identifico, ter margem para dizer que não.
Quando for diretor de programas, terá esse poder de decisão...
[gargalhada] Nunca vou ser diretor de programas.
Ora essa, porquê? Porque não quer ficar dependente de tomar decisões?
[risos] Porque para ser diretor de programas... [pausa] Ora, deixe cá ver porque é que não gostava de ser diretor de programas... Olhe, nunca pensei muito nisso. E agora que penso melhor, até poderia ser interessante. Um dia mais tarde... Até me parece bastante plausível um dia... [gargalhada sonora].
O que é que vê em casa? Senta-se no sofá a ver televisão ou é daquele tipo de jovens que está ao computador e vai vendo TV?
Sento, de vez em quando, mas consumo muita televisão com computador. Vou picando, vou olhando para o computador. É uma revolução dos últimos anos e que acho que ainda está para durar.
Como assim?
Acho que o impacto das redes sociais no consumo televisivo vai continuar a crescer. Um post sobre um dado programa, sobretudo se esse post ou comentário se tornar viral, tem uma grande influência sobre o programa e sobre as audiências. E essa tendência vai continuar. Foi, aliás, através da internet que eu cheguei a muitos dos programas que vejo hoje.
E o que é que vê?
O que é que eu vejo? Vejo sobretudo muito cabo. E, por incrível que possa parecer, acredite ou não, adoro programas de natureza, documentários do National Geographic e do Discovery Channel. Gosto muito do mar, de programas de mergulho [risos]. É surpreendente, não é?
Confesso que sim, esperava que o João fosse um devorador de séries e daqueles reality do TLC...
[gargalhada] Mas não, não. Gosto também muito dos documentários do Canal História. Também vejo muito a SIC Radical. Gosto muito do Gordon Ramsay e do Anthony Bourdain, de programas de viagens.
"Sou fã do Rui Unas. Ele é um revolucionário"
E sempre foi assim, quando era mais jovem?
O programa de que me lembro de ter assistido mais vezes foi o Curto Circuito. Fui telespectador assíduo. E inclusivamente ligava para o programa. O Curto Circuito começou em 1999, portanto, tem praticamente 14 anos. E na altura eu tinha 14 ou 15 quando comecei a ver o programa. Além disso, eu era, ou melhor sou, um fã do Rui Unas. É um profissionalão, acho que tem uma técnica brutal e é um grande entertainer. Acho que ele foi um revolucionário na televisão. Eu era superfã do Unas: via o Curto Circuito, gravava, falava para lá. Depois, passei a gostar muito do Alvim, também.
E sem nunca saber que haveria de começar por lá a sua carreira televisiva.
[sorriso] A minha vida é uma espécie de conto de fadas. Acabo por ser o apresentador do programa que eu via e com o qual me identificava bastante, e agora tenho o privilégio de ter o Unas como concorrente de um programa apresentado por mim.
E que mais via?
Era o Curto Circuito [risos]. Nunca vi muitas novelas. Nos tempos da faculdade nem via televisão.
Cresceu num tempo muito marcado pelas novas tecnologias e pelo surgimento de novos comunicadores para os jovens, como o Unas, o Alvim, o Ricardo Araújo Pereira. Eles são as suas maiores influências?
Sim, claramente. E o Herman. Mas acho que é uma boa síntese, essa. Até porque eu absorvo muito as expressões das pessoas de quem estou próximo. Quando comecei a fazer o Curto Circuito, havia muita gente que dizia que eu estava a tentar imitar o Alvim. E não estava. Mas eu via o Alvim todos os dias e, portanto, sem que eu me apercebesse, havia expressões dele que usava. Até porque somos os dois um bocadinho parecidos, um bocadinho palhaços, com aquele ar falsamente displicente. Depois, houve uma altura em que consumia muito Gato Fedorento e dei por mim a ter alguns tiques e expressões do Ricardo Araújo Pereira.
Deixe-me conhecê-lo um pouco melhor: sei que é de Lisboa. Como é que foi a sua infância?
Sim, sou de Lisboa, nascido e criado no Areeiro [sorriso]. Foi uma infância normal, fui uma criança muito feliz, um puto que se divertiu bastante. Tive boas amizades, amigos sólidos. E fui muito protegido pelos meus pais.
O que é que eles lhe deram?
[pausa] ...
Este é o "momento Daniel Oliveira" desta entrevista...
[risos] Estou a ver, estou a ver. O que mais apreciei na educação que os meus pais me deram foi sempre uma liberdade controlada. Não sei como é que eles conseguiram fazer isto, mas os meus pais sempre me deixaram fazer tudo. E a verdade é que eu não me lembro de lhes ter falhado ou de lhes ter dado razões para não acreditarem em mim. O meu pai é incrível: em vez de me fomentar para os estudos, dizia para eu me divertir nos intervalos e com os meus amigos. É um pai muito liberal. Aliás, eles nunca foram muito exigentes com as notas. É claro que me incentivavam a estudar, mas nunca me massacraram para que eu fosse um superaluno.
E como era?
Era um aluno mediano. Nunca tive uma negativa na vida, tinhas boas notas, era aplicado, cumpridor. Era um tipo tranquilo, galhofeiro, muito gordinho, não muito namoradoreiro, não especialmente dado ao desporto [risos]. Aliás, os meus pais permitiram que eu experimentasse tudo. Devo ter experimentado para aí umas 15 modalidades desportivas. Mas depois não gostava e mudava.
Não tinha propensão para nenhuma?
Desportos com raquetes [risos]. Badmington, pingue-pongue, squash, ténis. Ainda hoje é o meu forte. Tudo o que envolve braços e bolas é mau. Basquetebol, andebol... sou uma nódoa. E futebol sou um caceteiro.
"Em criança queria ser ator"
Quando tinha dez anos, o que sonhava ser quando fosse grande?
Sonhava ser, por influência da minha mãe, ator. Era isso que respondia na escola quando me perguntavam. Já era a comunicação a mexer, mas sobretudo a minha teatralidade. Sempre fui muito participativo nos trabalhos de grupo. Na parte das apresentações saía-me sempre bem, provocava o riso dos meus colegas com muita facilidade. Por isso, naquela altura, achava que ia ser ator. Até porque ser apresentador era uma coisa muito longínqua, muito complicada. Como é que uma pessoa se torna apresentadora? Não há cursos, não há uma grande oferta. É uma ambição utópica para qualquer criança. É um conto de fadas.
Sente-se a viver ainda esse conto de fadas?
[pausa] Não lhe chamo um conto de fadas, mas tenho muito a perceção do real.
Mas há muito essa perceção em relação ao mundo da televisão.
É verdade, há muita gente que não tem essa noção. Quando eu digo que não é um conto de fadas, não estou a querer dizer que é uma vida má. Não, nada disso. Aliás, é uma vida muito boa. Sinto-me, de facto, um privilegiado. Digo que não é um conto de fadas porque não ando iludido. Não me sinto uma Cinderela. Mas sinto que a maioria das pessoas tem uma ideia um bocadinho errada de como é este meio, da pressão que isto envolve, de como as coisas são feitas, do trabalho que dá.
O que é mais difícil neste mundo?
[pausa] Estar à frente de uma câmara. Se as pessoas soubessem o trabalho que dá estar em frente a uma câmara e conseguir ser natural... É um bocadinho inato, mas é precisa muita técnica.
Porque é que acha que é um privilegiado?
Faço o que gosto, divirto-me muito no trabalho, e não é toda a gente que pode dizer isto. E pagam-me um valor bastante confortável. Tenho noção de que há muitos jovens com a minha idade que ainda andam à procura do primeiro emprego, que não têm o mesmo tipo de expectativas e que não tiveram a mesma sorte que eu. Tenho consciência disso.
Os amigos que tem hoje são amigos que foi fazendo ao longo do percurso ou são os amigos antigos? São amigos do Manzarra ou do João?
São amigos do João. As minhas amizades do antigamente perduram todas. E curiosamente porque não tenho muito tempo livre e quando tenho quero é dedicar-me a eles, eu não fomento muitas amizades no meio. Conto pelos dedos das mãos os amigos que fiz na televisão nos últimos cinco anos. Estou a falar de amigos mesmo.
O João namora com uma atriz, a Jessica Athayde, ou seja, uma pessoa do meio, também exposta ao mediatismo. É difícil manter a privacidade da vossa relação?
[pausa] É uma parte em que eu tenho alguma dificuldade em lidar, admito. Mas eu desde cedo percebi que tinha de salvaguardar um bocadinho a minha vida privada. Acho que é muito perigoso quando começamos a abrir as portas da nossa casa, da nossa intimidade e quando a nossa vida privada passa a ser pública. Pode ser muito promíscuo. Tento proteger-me ao máximo.
De que forma?
O meu trabalho e os meus pensamentos são públicos e partilháveis com o público. A minha relação com a pessoa com quem estou também é pública, mas daí a expressar os meus sentimentos e a partilhar a minha vida privada, já não. Estabeleci essa fronteira de forma muito clara. E daí que eu tenha criado uma relação que nem sempre é simpática com alguns meios de comunicação que pretendem a todo o custo entrar por um desses lados mais privados.
"Na minha vida privada quem define as regras do jogo sou eu"
Mas percebe que essa, muitas vezes, é a regra do jogo. E há colegas seus que têm formas de pensar diferente...
Sim, claro, e eu respeito isso mesmo, mas na minha vida privada quem define as regras do jogo sou eu. E se decidir não abrir essas portas, não abro mesmo. E, por isso, às vezes sou mal interpretado a rejeitar convites, a não responder a algumas solicitações, mas enfim, é a vida.
Para terminar, lembro-me de que a imagem de marca do João é estar sempre a rir. Quem lhe disse que tinha graça?
[gargalhada] Boa pergunta... [pausa] Eu só achei que tinha graça quando me disseram que tinha graça. Isto é um bocado como a história do ovo e da galinha. Para descobrir que tinha graça, tive de provocar a gargalhada nos outros.
Quando é que percebeu isso, que podia viver disso?
[pausa] Quando ganhei o casting do Curto Circuito, quando comecei a ser profissional de televisão. Mas o humor não é a única ferramenta que utilizo, embora seja uma das mais espontâneas. Sou mesmo assim, não é um boneco. Mas é o João Manzarra com câmaras, com projetores, com luzes. Ou seja, adaptado àquela circunstância. Mas não sou sempre assim.
Mas as pessoas esperam que seja sempre assim?
Esperam, mas isso não me acontece só a mim. Qualquer colega meu que esteja na área do entretenimento e do humor vive com isso. Mas admito que às vezes seja cansativo...
... ir ao supermercado maldisposto e ter os olhos postos em si?
[risos] Sim, mas sou tolerante. Percebo isso. Quando vejo alguém de que gosto da televisão é sempre um momento mágico. É alguém que está fora da caixinha. Portanto, penso sempre nisso quando é ao contrário. Sou um tipo despreocupado e procuro não mudar a minha vida por causa disso.
Percebo. Se lhe apetece ir ao Bairro Alto, vai. Mas se lhe apetece beber um bocadinho mais do que a conta, já não pode. Porque no dia seguinte haverá gente a sussurrar: "Ena, pá, o Manzarra ontem estava com uma bezana...
[gargalhada prolongada] Sim, é desagradável. Mas não tenho essa preocupação. Quanto mais humano for, acho que é melhor. Se tiver de sair de fato de treino de casa, eu saio. Sem problemas.
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