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31 de março de 2012

Maya: "Acho que merecia ganhar mais. Mas não me queixo"

Quis ser bailarina e agrónoma. Foi professora, cursou Direito. É taróloga, tem um programa na SIC, é relações públicas e empresária. Os portugueses conhecem-na há anos, mas ela sabe que não há uma opinião consensual sobre si. Quem é, afinal, Eunice, a mulher que gosta de unhas grandes, sapatos de salto alto e que não acredita no amor para a vida inteira?

Começo com uma confissão. Sou cético em relação a esoterismos e a previsões do futuro. Por isso, não posso deixar de lhe perguntar sobre o que mais me preocupa no imediato... [sorriso]

Força...

Consegue-me dizer se vamos ter um verão chuvoso, ou podemos estar descansados?

[gargalhada] Nuno, não sou meteorologista, sou taróloga. O bom senso diz-nos que vamos ter alguma chuva, porque naturalmente tem de chover em algum momento do ano, mas o tarot não serve para esse tipo de perguntas. É para orientação pessoal, tem que ver com o caminho de cada um. A chuva é para todos.

Em que momento da sua vida se apaixonou pelo esoterismo e por esta face mais visível da vida pública?

Era muito nova. Tinha 18 anos quando namorava com o meu primeiro marido, que era piloto de ralis. Ele costumava fazer reuniões com o navegador dele, para verem as notas que tiravam nos treinos, para se prepararem para as provas. E eu tinha de o acompanhar, não tinha muito que fazer e divertia-me no chão a fazer paciências. Mas nunca fui amante de cartas. Houve um dia em que a mulher do navegador me perguntou se eu deitava cartas e disse-lhe que não, que só as ciganas é que deitavam cartas. Era aquela ideia que se tinha na altura. E, de facto, mais tarde, uma cigana, no jardim dos Jerónimos, acabou por me dizer que eu viveria até aos 94 anos. E eu acredito piamente nisso. Porque quero acreditar.

Porque quer acreditar?

Sim, porque quero acreditar que vou durar até aos 94 anos.

Mas isso é assim? Não interessa o que diz o emissor mas a forma como o recetor recebe a mensagem?

Também é importante a confiança que tem na pessoa que lhe diz as coisas. O Nuno é um cético, se vier a ter uma consulta comigo, naturalmente bloqueia mais a consulta. A nossa troca de energias é mais difícil porque está numa situação defensiva. E a sua disposição é mais crítica. Não temos o ambiente que deveríamos ter para uma consulta. Mas o que a cigana me disse vem ao encontro da tradição. As mulheres da minha família duram muito, morrem muito mais tarde do que os homens. E acredito mesmo que a cigana previu o meu futuro. Da mesma maneira que uma vez, em Londres, tinha o meu filho menos de um ano, em Leicester Square, estava um homem de idade a fazer tiragens de tarot. E fui lá, sentei-me, não era famosa nessa altura, tinha acabado de ser mãe, estava ainda casada, e o senhor disse que eu ia separar-me, que ia ser famosa, que a minha vida ia mudar radicalmente, e eu achei que o senhor era tonto.

Não acreditou?

Não, não acreditei, achei tudo aquilo disparatado. Mas é um facto: tudo o que ele me disse concretizou-se.

Para ver o resto da entrevista, clique em Ler Mais!

Temos um fado que nos está destinado?

Temos. Acredito no destino. Há coisas por que temos de passar, há pessoas que temos de encontrar, há situações que temos de amargar. Acredito piamente nisso.

Mas o nosso papel neste mundo é secundário?

Não, é um papel importante na maneira como estamos nas coisas. Pode estar empenhado nas coisas com uma enorme força, mas se lhe faltar ali um caminho, não vai lá. Conheço imensa gente brilhante que nunca conseguiu encontrar o caminho principal, que nunca conseguiu sair dos atalhos da vida.

Consegue perceber qual foi o momento em que a Eunice deu lugar à Maya?

Foi um processo. E não posso deixar de dizer que me rodeei das pessoas certas para me tornar Maya, para me tornar famosa, digamos assim. A imprensa teve um papel determinante na minha carreira.

É uma criação da imprensa?

Sou, muito, muito.

Não tem vergonha de o assumir?

Nada, nada. É uma verdade, sou um produto da imprensa. Olhe, primeiro comecei a escrever no Público. Um homem chamado Vicente Jorge Silva acreditou em mim quando ainda deitava cartas nos corredores do Expresso. Houve um dia em que ele me disse: "Não acredito nada naquilo que faz, mas você é muito inteligente e perspicaz." Ele não acreditava no tarot, mas acreditava nas minhas potencialidades. Depois, cruzei-me com outro homem muito importante para mim que foi o Alexandre Pais, com quem comecei a escrever numa revista chamada Dona, onde fiz o meu primeiro consultório, e depois ele levou-me para o 24 Horas. E há ainda outro homem muito importante para mim, o Carlos Castro. Foram estes homens que fizeram a minha carreira. Mas destacaria o Vicente, que foi quem acreditou em mim e me deu espaço num jornal de referência. Ninguém queria um horóscopo diário e ele quis. A secretária dele perguntava muitas vezes: "Mas porque estamos a pagar a uma pessoa para fazer o horóscopo quando nós próprios podemos fazer aquilo sem gastar dinheiro?" [risos]

Há alguma ciência para fazer um horóscopo?

Há. Aquilo tem uma técnica. Há uma carta que influencia o horóscopo.

Mas quando leio o meu horóscopo e a Maya me diz que, sendo Balança, naquela dada semana tenho de me preocupar com os problemas de fígado, como posso acreditar nisso?

Se escrevo isso é porque deve mesmo ter cuidado com os problemas de fígado. É uma tendência. Naturalmente, é porque me saiu uma carta, que nesse caso é a carta 15, O Diabo, que está associada a excessos. E acredito que os problemas de fígado podem derivar de algum excesso.

O álcool também. Porque é que não me diz no meu horóscopo "Tenha cuidado com o álcool a mais"?

Mas o álcool também provoca problemas de fígado. Mas aquilo é uma tendência para todos os Balança, não é só para si. Aquilo pode ser uma orientação para si e para um milhão de pessoas. Não tem mal nenhum. É preventivo.

Não tem mal nenhum, de facto, mas tem alguma veracidade? Se me disser "cuidado com o coração", também não tem mal nenhum, antes pelo contrário. Se eu acreditar, far-me-á fumar menos, comer menos gorduras, ingerir menos sal...

É verdade, só lhe direi "cuidado com o coração" se me sair outra carta. Se me sair a carta 6, o Amoroso... [sorrisos]. Se sair a carta A Temperança, digo-lhe para ter cuidado com os rins.

Mas se eu não tiver problemas de fígado nessa semana, a Maya não acertou?

Mas eu acredito que acertei numa larga maioria no espetro Balança. Um horóscopo são linhas gerais.

Muito gerais. Isso não é um bocadinho como aquele adivinho que, olhando para o céu e vendo nuvens grossas, começa a fazer a dança da chuva. Uns minutos depois, chove, mas não foi por obra do feiticeiro...

[risos] Não é bem assim. Aceito que a sua posição seja essa, mas não faço isso assim. Acredito no que vejo nas cartas. Mas isto é genérico, são tendências. É como a moda. Agora há uma tendência que diz que o que se usa são bolas. Mas nem toda a gente pode usar bolas, há pessoas que têm de adaptar as tendências ao que lhe fica bem. É como os horóscopos. São uma tendência, mas o que vale são as consultas.

Porque é que toda a gente lê os horóscopos, se quase ninguém acredita?

[risos] Toda a gente lê. Mas isso é que é grave. É que as pessoas, incluindo os céticos, levam os horóscopos para o lado do entretenimento.

E não é?

Não, é uma informação. O que faço é uma arte. Tenho uma capacidade interpretativa.

Um dom?

Uma capacidade extrassensorial que toda a gente tem. Não há nenhum de nós que em determinada altura não tenha intuído qualquer coisa. Os animais têm. Por exemplo, os galos cantam quando o dono vai morrer. Os animais uivam se vier uma tempestade. Os animais têm essa capacidade intuitiva de captar energias. Isto são campos energéticos.

Quando lê um horóscopo, consegue perceber se ele foi feito por alguém que percebe do assunto, ou se foi inventado numa redação?

Se forem jocosos, percebo facilmente.

Mas se eu escrever um horóscopo e disser para o Carneiro: "Opte por ouvir quem lhe está próximo, não tome decisões precipitadas. Semana positiva em termos profissionais. Cuidado com as gripes e constipações"...

[gargalhada] Se for muito diferente do meu, vou achar que está errado. Só acredito no meu. Leio o meu, leio o do Paulo Cardoso, por exemplo. Nós já conversámos sobre isto e concordámos que, se os horóscopos forem bem feitos, há de haver alguma coincidência. Mas, repito, um horóscopo não é para uma pessoa, é uma tendência. Faz muito bem? Não. Faz muito mal? Também não. Acrescenta alguma coisa? Não. Uma consulta, sim, acrescenta.

Muito bem, falemos então de televisão. Tem desde setembro um programa de consultas nas manhãs da SIC em que as pessoas ligam para si por linhas de valor acrescentado. Tem noção de quanto dinheiro já deu a ganhar à SIC?

[pausa] Nenhuma, nenhuma. Tenho noção do que eles me pagam, mas não tenho comissão nos telefonemas.

Mas percebe que a SIC, quando decidiu avançar para um programa daqueles, foi a pensar mais no dinheiro que podia ganhar do que nas audiências que podia fazer...

Não penso que tenha sido essa a razão. Ninguém sabia, na altura em que o programa foi para o ar, o que aquilo ia dar. Nem eu.

Mas tinha o exemplo de Espanha, por exemplo...

O programa não é bem igual, e penso que em Espanha é emitido à noite. Este programa foi criado para mim, inspirado em formatos espanhóis e penso que franceses. Perguntaram-me se queria fazer e disse logo que sim. Nem me preocupei com mais nada. Aliás, trabalhei o primeiro mês sem saber quanto me iam pagar. Não fizemos essa conta. A Júlia Pinheiro dizia-me que podia não ser um programa muito bom, mas que as minhas capacidades de comunicadora chegariam para manter o programa.

E seis meses depois, o que acha? É um programa muito bom?

É um programa que gosto de fazer, não dou pelo tempo passar. Estou completamente envolvida no programa, gosto das conversas que tenho com as pessoas com quem converso. Acho que toda a gente está contente com o programa.

A SIC está, seguramente. São muitas chamadas de valor acrescentado durante a emissão, e isso é assumidamente uma boa fonte de receita.

Tenho noção de que o programa se paga a ele próprio. Ao contrário do que as pessoas julgam, aquele programa tem uma grande equipa. Temos uma equipa de reportagem que corre o País e todos os dias se desloca, tem de dormir fora. Temos uma equipa de montagem e uma equipa de produção. O programa envolverá uma equipa de 20 pessoas. Não sou só eu e o telefone. Não sei os custos do programa, mas penso que não será assim tão barato. Mas acredito que não seja um custo para a SIC. Aliás, tenho pena que no contrato que fiz não tenha negociado uma percentagenzinha por cada telefonemas [risos].

A SIC paga-lhe bem?

Não. Não me paga bem comparativamente com outras figuras da estação, mas paga-me mais do que qualquer outro trabalhador normal recebe. Posso dar-me ao luxo de dizer que ganho mais do que ganhava quando era professora. Isso é verdade.

Mas não ganha na SIC aquilo que acha que merecia?

Acho que merecia ganhar mais, sem dúvida alguma. Mas não me queixo, estou apenas a responder à sua questão. Porque depois tem outras vantagens. O facto de estar em televisão também me dá outras regalias. Vou lançar agora um livro, tenho mais trabalho porque sou conhecida. Enfim, tem outras vantagens.

Sente-se uma figura da SIC?

Sempre, sempre. Não uma estrela, mas uma figura da SIC sempre me senti. Também sempre estive na SIC, nunca estive noutro canal. É curioso. Uma mulher que muda tanto, que tem tanta necessidade de mudar, que consegue canalizar as emoções de modo racional na hora da mudança e que profissionalmente continua fiel à SIC.

Mas já sentiu vontade de mudar...

Já, já senti. Se bem se lembra, tive para ir para a RTP. Aliás, sou eu que derrubo o Emídio Rangel. Na altura, o Emídio convidou-me para fazer uma coisa chamada Vencedores, comuniquei à SIC que ia sair. Fi-lo com a maior lealdade, nunca fiz nada nas costas. O Emídio Rangel gosta de mim e ficou acordado que eu iria fazer aquele programa das duas às três da tarde. Mas o Dr. Nuno Morais Sarmento, que era ministro da tutela na altura, não aprovou a minha contratação e achou até muito mal que uma astróloga fosse apresentar um programa, esquecendo-se de que tenho um currículo e formação académica que me habilitam a isso.

Irrita-se quando as pessoas a veem como astróloga ou taróloga?

Não, nada disso. Tenho o maior orgulho. Só não gosto é que me chamem bruxa. Só os amigos. Os amigos podem chamar-me bruxa, podem chamar-me abelha. Os amigos podem chamar-me o que quiserem desde que o façam com carinho e não no sentido pejorativo. E muitas vezes já se passaram alguns limites. Estou certa de que o meu filho terá passado algumas coisas desagradáveis por via da minha profissão.

Mas incomoda-a que as pessoas olhem para os tarólogos, os astrólogos e afins como uma espécie de charlatões que ganham a vida a enganar as pessoas sensíveis?

[pausa] Mas há gente dessa. É um facto. Há charlatões. Mas as pessoas põem tudo no mesmo saco. Uma coisa é tarot e deitar cartas e fazer orientação pessoal e outra são os curandeiros, os feiticeiros, as pessoas que fazem rituais e amarrações...

A Maya não está no mesmo saco?

Não estou no mesmo saco.

Não é uma charlatona?

Não sou, seguramente. No dia em que achar que não sou séria a fazer o que faço, dedico-me às outras atividades da minha vida. Faço isto porque acredito e porque faço bem. E acho que as pessoas também sabem que faço bem e sou muito profissional. Mesmo as pessoas que não acreditam nisto acreditam, ao menos, que faço isto com seriedade. Menos mal.

Mas tem uma boa imprensa...

Tenho, claro. Mas também acho que as pessoas da imprensa sabem que sou assim. Não acho que a imprensa seja outro mundo. Tenho muitos amigos jornalistas e acredito nisso, acredito que é possível ter amizades no jornalismo. Porque há algumas pessoas da imprensa que sabem coisas da minha vida pessoal. As pessoas não escolhem as amizades consoante as profissões.

Claro que não, mas tem noção de que ter amigos jornalistas também a ajudam a consolidar a profissão e o seu lado mediático...

Caramba, mas se gosto deles, o que quer que faça? Afasto-me? O Carlos Castro, quando me deu a conhecer à imprensa cor-de-rosa, no sentido de eu aparecer nas festas, abriu-me um novo mundo, deu-me a conhecer a muita gente. Eu comecei a sair nas revistas porque os fotógrafos me fotografavam, porque, como sabe, há imensa gente que se faz às fotografias e nem por isso os fotógrafos as fotografam. Tive essa sorte, reconheço. Mas também, sejamos claros, trabalhei para isto. Trabalho muito. Não sou uma dondoca que não faz nada. Por exemplo, nunca falhei o prazo de entrega de um horóscopo. Nunca.

Há pouco falava da importância das consultas para captar a energia do consultado. Por telefone, como no seu programa, isso também funciona?

Funciona. Para deitar cartas há três fios condutores de energia. A energia pessoal, que tem de ser restrita. Não pode estar mais ninguém na sala para não dispersarmos energias. O telefone é uma das grandes correntes energéticas que temos. Pela voz, conseguimos captar muita energia da pessoa. E a letra manuscrita, que é outro fio condutor muito forte no tarot. Os mais importantes são a presença e a voz. A voz é um fio condutor poderoso.

No seu programa na SIC faz consultas telefónicas, portanto, usa a voz para captar energia dos espectadores. E se o espectador lhe mentir?

Se alguém não me fizer uma proposta séria não pode esperar que a minha resposta seja séria. Tenho de confiar nas pessoas. Faço isto com base na confiança. Não me passa pela cabeça que alguém ligue com argumentos falsos. Noutro dia, percebemos que havia uma senhora que ou estava a dar-nos dados falsos propositadamente ou por estar confusa.

Vamos a um caso prático. Imagine que alguém solteiro e sem filhos lhe liga e diz-lhe em direto que tem dois filhos e que um deles está muito doente e que os médicos não conseguem fazer um diagnóstico. E essa pessoa liga-lhe e diz que quer saber se o suposto filho vai conseguir superar essa doença...

[pausa] Provavelmente, vou dizer-lhe que o filho morre. Até porque o filho, de facto, não existe. O tarot vai dar ali, com certeza, uma morte. O filho não existe sequer e, portanto, é natural que vá dizer à senhora que vai ficar sem o filho. Está a colocar-me uma questão sobre a qual nunca pensei. Mas se a pessoa me está a mentir...

Mas no momento da consulta, naquele exacto momento, a Maya não sabe que lhe estão a mentir...

Mas tenho de confiar nas pessoas. Se não, não confio em nada na vida. Acredito que quem me liga está a ser sério. E também acredito que se não fizerem isso com seriedade, haverá um retorno.

No seu programa, já tem acontecido contrariar um parecer médico e dizer a uma consultante algo completamente diferente do que o médico lhe tinha dito a ela. Acha isso correto?

(pausa)

Lembro-me de um caso em que um médico disse a uma paciente que tinha um problema num pé para ela ficar em casa com o pé imobilizado e a Maya disse em direto a essa espectadora: "Não fica nada imobilizada. Mexa-se, minha querida."

Sim, lembro-me disso. E reconheço que é um grande risco dizer isso.

Mais do que risco, não é um desrespeito pelo médico, que estudou, que se preparou cientificamente para a sua função?

[pausa] Da mesma maneira que é um desrespeito quando um médico coloca em causa aquilo que faço.

Estamos a falar de coisas diferentes. A medicina é uma ciência.

Sim, e eu tenho uma arte. Que tem também parâmetros técnicos. Ainda um destes dias uma senhora me dizia que tinha uma operação marcada para 19 de abril. Ela dizia que ia ser operada a hérnias na barriga. Enfim, não sei o que são hérnias na barriga, mas a verdade é que pelas minhas cartas não estava lá operação nenhuma. Podia ser uma senhora a dizer que ia ter uma operação e não ia, só para me testar, como o Nuno disse, ou podia ser uma senhora que não sabe a que é que está a ser diagnosticada ou, simplesmente, podia ser uma senhora mal diagnosticada. E disse-lhe para ela pedir um novo parecer médico. Já com medo dos jornalistas [risos], não lhe disse para não fazer a operação, disse-lhe para pedir um segundo parecer. Agora já aprendi [risos].

Nesse caso de que lhe falava, e que até fizemos notícia aqui na revista, ouvimos o bastonário da Ordem dos Médicos, que a criticava por ter contrariado um parecer clínico...

Sim, eu vi, recordo-me. Mas tem noção de que há muitos médicos que me consultam? A classe médica é das que mais me consultam. Quer por problemas de saúde, mesmo deles, quer por causa dos filhos. Acho que em todas as profissões há gente competente e incompetente. Em Portugal, temos médicos maravilhosos, fazem milagres autênticos. Mas também falham. Porque não?

E acha que o tarot pode ajudar a corrigir uma falha de um médico?

Acho que pode ajudar a clarificar. O tarot é uma orientação e dizer a uma pessoa para pedir uma segunda opinião não me parece que seja criminoso. Mas ainda em relação a esse exemplo que deu, quando fui alertada para essa questão por uma jornalista da sua equipa, fui ver o programa em causa e agora tenho corrigido um pouco isso. Estou mais comedida. Mas estou em crer que, quando as coisas acontecem em sentido contrário ao que eu disse, as pessoas entram em contacto comigo para me dizer. E até agora isso nunca aconteceu. Até já aconteceu uma senhora que não conseguia engravidar e a quem mandei comer milho telefonar-me a dizer que estava grávida.

Comer milho?

Sim, comer milho. Veja lá as coisas que eu digo. Porque acho que o milho é um bom afrodisíaco. Portanto, achei que se a senhora que andou a fazer tratamentos para engravidar e não resultou comesse milho poderia resultar. E resultou.

E acha que foi por causa do milho?

Ajudou.

Quer dizer, não lhe terá feito mal, seguramente. Se a tivesse mandado comer farinheira ou torresmos, podia fazer mal, porque tem muita gordura, agora milho...

O milho, nas culturas sul-americanas, está associado à fertilidade. E a senhora engravidou.

O milho teve um efeito placebo...

[risos] E porque é que o milho não terá feito bem à gravidez da senhora?

Não a enganei, Maya, não se esqueça de que está a ser entrevistada por um cético...

[risos]

Deita as cartas a si própria?

Não, nunca. E recomendo que ninguém o faça.

Porquê?

Você não manda nos seus sonhos.

Isso é do domínio do inconsciente...

Exatamente. Eu a baralhar as cartas para mim própria também posso não conseguir filtrar o meu inconsciente.

Ou não acredita em si?

[risos] Acredito, acredito. E muito. Acredito tanto em mim que nem preciso de tirar as cartas para mim. E gostaria de não ter de tirar as cartas para o meu filho, ou para o meu irmão, ou para a minha mãe.

Mas não gostava de saber de si aquilo que as pessoas querem saber para elas? Se vai ser feliz no amor, por exemplo...

Vou, vou. Então não vou ser feliz no amor? Claro que vou. Sou feliz em tudo. Eu sou assim. Tenho a estrelinha que as pessoas não têm. Quando quero uma coisa, tenho a sorte de essa coisa aparecer. Tenho essa felicidade. Depois, tenho apoio familiar, dos meus amigos, a minha força interior. Não tenho nada que precise de perguntar às cartas. Há coisas que não quero saber. Sou Sagitário, não posso estar muito espartilhada. Preciso de campo para voar, preciso de ter liberdade, não quero barreiras. Não quero saber se este programa vai durar seis meses ou seis anos. Não quero saber se hoje me pagam três mil e amanhã dez mil.

Tem saudades de outros formatos?

Já fui apresentadora do Contacto, nas tardes da SIC, com o Nuno Graciano, e não gostei. Gosto de fazer televisão neste formato que tenho agora, mas fazer outro tipo de televisão, ser apresentadora de day time não gosto. Eu gosto muito de falar, de ter opiniões próprias. E gosto de expressar as minhas opiniões próprias. Sou nitidamente uma comunicadora e uma comentadora. Gostei de fazer a Tertúlia Cor-de-Rosa, gostava de ser jurada do Ídolos. O que gosto é de dizer o que penso. Como sabe, os apresentadores têm um auricular por onde se manipulam até as entrevistas. Várias vezes queria perguntar coisas a convidados e não me deixavam. E havia sempre uma voz a ordenar-me "pergunta isto, pergunta aquilo". O editor do programa tem uma orientação. O apresentador nunca tem vontade própria.

A Júlia Pinheiro, o Goucha, o Jorge Gabriel, a Fátima Lopes não têm vontade própria?

Alguns não. Essa foi a minha grande desilusão. Agora uso auricular, mas é para saber o tempo que falta para o programa acabar, ou para saber que tenho uma chamada no ar. Ninguém diz o que devo dizer.

O que é sobra da Eunice dos anos 80?

Tudo. Está cá tudo. Por dentro, está cá tudo.

Mas por fora é completamente diferente...

Sim, acho que estou mais gira agora [risos]. Mas a capacidade de acreditar, de me divertir, de inovar, de estabelecer projetos novos, está cá tudo. Aos 20 anos era menos empreendedora, claro. Não sabia o que queria. Ou melhor, até sabia, mas a vida levou-me por um caminho completamente diferente.

O que queria ser?

Queria ser bailarina clássica e não fui porque o meu mano achava que ser bailarina estragava as pernas às meninas. Ainda fiz ballet, mas deixei o ballet aos 12 ou 13 anos. Fui para a equitação. Foi o meu irmão que me aconselhou.

Ainda hoje ele é o seu maior conselheiro...

Sim, é verdade, mas agora com a idade já ganhei algum estatuto. Já consigo fazer algumas coisas com as quais ele não concorda. Ele tem mais sete anos, eu 52, ele 59. Depois de bailarina clássica, quis ser engenheira agrónoma, nem sei porquê.

Influências do seu pai?

Talvez. O meu pai era padeiro, mas nós tínhamos uma quinta, umas vinhas, enfim. Terá sido por isso, talvez.

O seu pai já morreu...

Sim, há 18 anos. Morreu a 1 de agosto de 1993, o meu filho nasceu a 23 de abril desse ano. O meu pai ainda conheceu o neto.

E a sua mãe?

A minha mãe ainda é viva. Tem 89 anos, é Capricórnio.

Não foi bailarina clássica, não foi agrónoma, mas foi professora. Como aconteceu isso?

Uma amiga minha desencaminhou-me. Disse-me que gostava de ser professora e desafiou-me a concorrer ao magistério primário. Na altura, ainda havia numerus clausus. Estávamos no ano de 1977 ou 78. Concorremos as duas, eu entrei, ela não. Fiz um belíssimo curso, saí de lá com média de 16 e fui professora durante 20 anos. No primeiro ano estive em Alenquer, depois vim para o bairro da Boavista, em Lisboa, onde cheguei a ser subdiretora.

Era uma professora rigorosa?

Muito boa professora. Exigente. Acho que há tempo para brincar e tempo para trabalhar. Sou muito rigorosa nisso.

Ainda hoje, quem a conhece diz que a Maya em trabalho, sobretudo no mundo da noite, é muito rigorosa. Até com mau feitio...

[pausa] Sim, sim. Às vezes confunde-se a noite e o verão com férias. E pode cultivar-se um certo arblasé. Não, estou no Manta Beach no Algarve para trabalhar. Lá porque é à noite, não pode ser levado a brincar.

A noite é o melhor do seu dia?

É [risos]. Se tivesse de optar entre um trabalho de noite e um trabalho de dia, optava por trabalhar à noite. Mas sou filha de um padeiro, não se esqueça.

E porque é que foi para Direito, anos mais tarde?

Porque ainda estava a dar aulas e achei que queria fazer um curso superior. Sempre a agronomia na cabeça. Mas as equivalências que o magistério me dava para o ano propedêutico só me dava acesso a uma reduzida lista de cursos e eu escolhi Direito.

Mas não acabou?

Não, fiz até ao terceiro ano. Sai da Faculdade de Direito em 1987. Caso-me pela primeira vez em 1980, separo-me em 1983. Foram momentos muito difíceis.

Porquê?

Porque uma pessoa quando se casa, casa-se para a vida toda.

Mesmo um Sagitário, que precisa de campo para voar?

Sim, mas fui educada no Ramalhão, pelas dominicanas. Quando me casei, foi com a convicção de que seria para a vida toda. Tanto que me casei com um homem que não amava.

Como assim?

Tinha tido um grande amor antes que tinha terminado e que me tinha feito sofrer muito. Portanto, tinha a convicção de que o amor fazia sofrer. E achei que devia casar-me com uma pessoa de quem gostasse, que gostasse de mim, mas que não estivesse apaixonada. Porque a paixão cria-nos muitas oscilações.

Isso é uma visão muito antiga...

Muito antiga. Mas era o que achava. Depois do casamento, tudo mudou. Eu já era uma pessoa que gostava de me vestir bem, de sair à noite, de beber o meu copo. Exatamente na noite do casamento, o meu primeiro marido mudou. E disse-me: "Mulher minha não se maquilha, mulher minha não usa decotes, não sai à noite para dançar." Foi radical e terrível. Aguentei muito tempo. Ele não me tratava mal, nem nada disso, mas foi um choque. Aquilo que acreditava ser a vida a dois transformou-se por completo. Três anos depois, separei-me. E pensei que não voltaria a cair na coitadinha, na mulherzinha. E decidi ir estudar, ir para Direito.

E foi na Faculdade de Direito que se juntou a um movimento anarca. É verdade?

[risos] Sim, mais ou menos. Mas antes deixe-me dizer que ainda nos meus tempos de juventude fui presidente da Juventude da Democracia Cristã.

Portanto, mais de direita era impossível...

Sim, sou uma mulher de direita, sempre o assumi.

Direita CDS?

[pausa] Direita liberal. Democracia cristã. Sendo que não há em Portugal democracia cristã. O mais próximo que há é o CDS, de facto.

O CDS de Paulo Portas, ou o CDS de Manuel Monteiro?

De Paulo Portas. Mais liberal e mais evoluído, sem dúvida alguma. Mas estava a contar que eu tinha 18 anos e fui presidente da Juventude da Democracia Cristã, nos tempos do Silva Resende. Já não sou do tempo do general Kaúlza de Arriaga. Depois, acabei por sair, porque aquilo era uma aprendizagem para mim. E sempre me ficou o gosto pelo associativismo. Mais tarde, na Faculdade de Direito, a juventude em que me revi foi na lista O, basicamente afeta ao Partido Comunista. Dizer-se que era anarca é um eufemismo [risos].

Como é que uma mulher de direita estava numa lista comunista?

Pois... Eu gostava deles. Naquela altura, não se estava lá para fazer carreira. Hoje, os jobs for the boyscomeçam nas faculdades, mas naquele tempo não. Queríamos fazer faculdade, divertir-nos muito.

Beber uns copos, fumar uns charros...

Sim, é isso. Não fui muito de fumar charros. Fumei, mas não fui muito disso. A droga nunca me seduziu muito, até porque sou uma mulher que gosta de ter controlo sobre as coisas que faz. Não faço nada porque sim, faço porque quero. Ao fim de uma noite, não quero ir para a cama com alguém só porque não há mais nada para fazer. Eu faço as coisas porque quero.

Mas na noite isso não lhe acontece?

O quê? Ir para a cama com alguém? Não sou muito de one night stand. Aconteceu-me há 20 anos, claro. Hoje não.

É uma mulher vistosa, exuberante...

Não tenho uma relação por ter. Tenho quando se estabelece uma cumplicidade. Pode demorar uma semana, pode durar um mês, um ano, três anos. Mais do que isso já não acredito [risos].

Não acredita mesmo no amor para a vida inteira?

Não. Acreditava num casamento para a vida inteira, mas não no amor. Não acredito numa relação para a vida inteira. Comigo não [risos]. Se tiver uma pessoa muito apaixonada por mim que queira viver comigo para a vida inteira, vai ter de tentar. E depois logo vê se consegue ou não.

Portanto, a pessoa com que a Maya estiver não vai nunca acreditar se a Maya, naquelas fases apaixonantes e intensas de uma relação, lhe disser "Amo-te para sempre"...

[risos] Amo-te para sempre não digo. Mas claro que digo aquelas coisas dengosas. "Amo-te", "Não posso viver sem ti", essas coisas lindas que dizemos... Adoro isso tudo. Mas esgota-se. Sei lidar muito bem com as emoções. Cada vez melhor.

 

 

 

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