Aos seis anos já fazia teatrinhos para a avó e sabia que, contra tudo e contra todos, seria atriz. No ano em que comemora 85 anos de vida e 60 de carreira televisiva, Laura Cardoso brilha no papel da beata Doroteia em 'Gabriela'.
"Jesus, Maria, José!" é um dos bordões mais emblemáticos de Doroteia, a velhaca beata do remake de ‘Gabriela’, que conquistou corações aqui e além-mar e trouxe de volta ao pequeno ecrã aquela que é, a par de Fernanda Montenegro, a grande diva da ficção brasileira. Laura Cardoso, 85 anos completados a 13 de setembro, é muito mais do que o seu singelo metro e meio de altura. Baixinha, sempre de gargalhada nos lábios e mãos prontas para agarrarem as de quem está ao seu lado, a filha de pais portugueses - Carolina e Adriano, comerciantes de profissão, que emigraram do Norte para o Brasil em busca de uma vida melhor - sabia que estava destinada a viver a vida nos palcos desde os seis anos, quando fazia teatrinhos para a avó, a sua primeira espectadora.
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Laurinda de Jesus Cardoso Baleroni (o último apelido adotou-o do marido, Fernando Baleroni, figura emblemática da rádio brasileira, que faleceu em 1980) nasceu em 1927, no popular Bairro do Bexiga, em São Paulo. Com 15 anos, decide que quer ser uma das vozes da rádio, daquelas que interpretavam as novelas faladas. "Rádio não é lugar para moça de família!", dizia-lhe a mãe. Mas aos 15 anos quis ser atriz de radionovela, na Rádio Tupi, e arriscou. O Brasil vivia uma austera ditadura e mulher de bem não se aventurava em profissões malvistas. A sua paixão pela representação trouxe-lhe, como confessou este ano em entrevista à revista Quem, a desaprovação dos que a rodeavam. "Os vizinhos faziam comentários: 'Olha lá, ela não presta!' Não estava nem aí se comentavam que eu era puta, vestia a minha roupa e ia trabalhar de salto alto e cabeça erguida", conta Laura Cardoso. A estreia em televisão deu-se em 1952, na extinta Rede Tupi, num programa chamado Tribunal do Coração.
"Eu sou daquelas que não querem competir, querem ganhar!"
Aos 85 anos, Laura Cardoso passeia-se calmamente pelas ruas de Ipanema, bairro nobre da zona norte do Rio de Janeiro. Já pertence àquelas ruas, àquela cidade que a adotou. De vez em quando, dá um salto ao Everest Park Hotel, que considera ser "a sua segunda casa". Confessa que já deixou há muitos anos o seu único vício, "fumar", e que agora do que gosta mesmo é de ler. No ano em que comemora seis décadas de carreira televisiva e sete a representar, a atriz confessa que ainda sente medo de cada vez que começa um novo projeto, como aconteceu quando agarrou pela primeira vez o papel de Doroteia. "Acho sempre que posso fazer melhor. Foi um tormento começar a agarrar a personagem, porque eu achava que estava tudo uma merda [risos]! Era uma aflição! Eu sou daquelas que não querem competir, querem ganhar!", confessa a veterana.
Miguel Falabella afirmou na recente homenagem que a TV Globo fez à atriz, a propósito da comemoração dos seus 85 anos, que Laura Cardoso é um "tesouro nacional". "É uma das grandes damas da nossa profissão."
A mulher que já foi agraciada, em 2006, pelo então presidente da República Lula da Silva com a Ordem do Mérito Cultural reconhece a sua importância na história da ficção brasileira. "Digo sempre que quem começou a televisão no Brasil fui eu [risos]!" Com quase oito dezenas de produções televisivas no currículo (entre as quais séries, novelas e teatro), a atriz é uma universidade ambulante. Joana Solnado, que, em 2004, contracenou com Laura Cardoso na novela Como Uma Onda, afirma que um dos maiores elogios que já recebeu na sua carreira veio exatamente da boca de Laura. Na novela, na qual participou também o português Ricardo Pereira, Joana Solnado era Almerinda e Laura Cardoso dava vida à cega Francisquinha. "Lembro-me de estarmos a gravar uma cena e ela estar de costas voltadas para mim. No final, ela disse-me: 'Eu não te vi, mas senti-te tanto! Obrigada!' Foi a melhor crítica que alguma vez me fizeram.", conta a atriz, com a voz embargada pela emoção.
Oito anos depois de ter contracenado com a Doroteia de Gabriela, Joana não poupa nos elogios. "Ela não tem uma coisa que muitas vezes os atores mais velhos e reputados têm, que é um ego inchado e exacerbado. Ela não tem necessidade disso, o talento dela fala por si", explica a atriz". No Projac - centro de produção da Globo -, Laura Cardoso é dona Laura, tratamento apenas dado àquelas que atingiram o estatuto de realeza na longa, complicada e fascinante história de contar contos de fadas que é a ficção brasileira. Juliana Paes apelidou-a de "minha musa" . Rodrigo Andrade, o execrável Berto de Gabriela, confessou: "Ela é fantástica! Aprendo só de a observar."
Mas ao fim do dia de quem Laura Cardoso realmente gosta de ouvir palavras de afeto é da família. Mãe de duas filhas, Fernanda e Fátima, a atriz de 85 anos tem duas netas e de há 12 anos a esta parte aquele que é o seu "último amor", o bisneto, Fernando. Laura já decidiu que só vai parar de trabalhar "quando morrer" e, na sua tranquilidade octogenária, apenas uma mágoa fica: a morte de um filho, ainda bebé, tragédia sobre a qual falou em entrevista recente à Quem: "Entrei no hospital com um filho na barriga e saí com os braços vazios. Ele viveu três dias. A perda foi terrível. Ficou um vazio grande em mim", confessou.
NTV
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