Depois de a proposta do PS ter passado no Parlamento, o argumentista e os atores da nova novela da SIC, que aborda a coadoção de um casal homossexual, têm os olhos postos na decisão que virá de Belém para eventuais mudanças na trama. Uma coisa é certa: é preciso cuidados com a criança escolhida.
Há uma semana, a Assembleia da República aprovou a proposta do Partido Socialista para a coadoção por casais homossexuais. Nesse dia, o autor de novelas da SIC Pedro Lopes estava a trabalhar nas suas histórias e só se apercebeu, mais tarde, de que um dos dramas ficcionados que tinha preparado para a sua próxima novela da noite, Ambição, com estreia prevista para setembro, na SIC, tinha acabado de poder tornar-se real. "Fiquei satisfeito, mas a minha opinião não conta para nada. Como autor, a novela não serve para passar a minha maneira de pensar, mas antes para fazer as pessoas refletir."
Em Ambição, a trama que vai substituir a novela Dancin" Days, Ângelo Rodrigues dá vida a Simão, de 28 anos, homossexual assumido e que vive com o namorado, Nuno, personagem de Rui Neto. Este adota Camila, mas o pior acontecerá quando morrer e Simão lutar pela guarda da criança. Uma batalha que vai ser travada com os pais do malogrado Nuno.
Esta foi umas das realidade dadas como exemplo na proposta discutida no Parlamento aquando da aprovação com 99 votos a favor, 94 contra e nove abstenções.
O diploma será agora discutido na especialidade, deverá regressar ao hemiciclo para votação final global e, por fim, será enviado a Cavaco Silva. É nas mãos do Presidente da República que a realidade - e a ficção de Pedro Lopes - pode vir a conhecer alterações. Na verdade, não sendo comum as mudanças de sentido de voto na Assembleia da República após a aprovação na generalidade (que decorreu sexta-feira passada), só Belém pode reescrever a história e pode fazê-lo de três maneiras: promulgar e a coadoção torna-se real; vetar e o processo volta à Assembleia de República; ou envia para o Tribunal Constitucional, criando um período de espera. Independentemente da maneira como a realidade tratar o assunto, a ficção fa-lo-á na mesma. "Essa parte é a que menos me preocupa, porque a novela é uma obra em aberto e deve refletir a realidade em cada momento. O que me agrada é a atualidade da história que estamos a tratar", diz o argumentista Pedro Lopes à Notícias TV. "Obviamente que estaremos atentos, até como cidadãos. As personagens terão uma evolução para que continue a ser pertinente porque será sempre um caso de grande atualidade: adoção, coadoção, seja qual for o sistema que seja permitido aos casais. O interessante é que tenhamos conseguido pegar num assunto que está na ordem do dia e nos anteciparmos, que era a ideia", acrescenta.
Pedro Lopes admite que vai estar atento à decisão de Cavaco Silva "como qualquer português". "Mas será sempre um tema que vai ser retratado na novela. Há uma atenção particular, é um procurar informação. O que queremos é ser corretos e, portanto, nestas questões não podemos falhar, não podemos dar informações erradas, não podemos deturpar", esclarece o autor, que diz ter escolhido a história não porque conhecesse casos, mas porque o tom do assunto há muito estava a subir. "Era um debate a que já tínhamos assistido e que não chegou ao Parlamento por acaso. Havia uma série de sinais que despertavam a curiosidade."
Atores ainda não receberam indicações de mudança na história
Por esta altura, já Ângelo Rodrigues e Rui Neto estão a gravar as primeiras cenas como casal e os guiões da novela continuam iguais. "Não há qualquer indicação de que existirá uma alteração na história", diz Ângelo Rodrigues à nossa revista, para, em seguida, admitir que "o timing para ser abordado na novela é perfeito". "É um passo civilizacional do qual orgulhosamente faço parte", acrescenta. Também Rui Neto se sente um "privilegiado" por ter a "hipótese de fazer um trabalho que aborda um tema tão atual e que é alvo de muita discussão na opinião pública".
Por definir está ainda quem será a pequena atriz que vai ser adotada pelo casal. O casting para a encontrar ainda não foi feito. "Ainda não a conheço, é verdade. Mas estou ansioso por saber quem é", refere Ângelo Rodrigues. Pedro Lopes não deu indicações para a escolha da criança porque "isso faz parte das funções da produção", mas terá de ser uma menina que "consiga interagir".
O exemplo de "Dancin" Days"
A existência de personagens homossexuais nas novelas não é recente e houve papéis que marcaram vários projetos, como o cartomante a que Joaquim Horta deu vida em Ninguém como Tu, atualmente em reposição na TVI, os dois namorados que Diogo Morgado e Luís Gaspar interpretaram em Aqui não Há Quem Viva, da SIC, ou a personagem de Nuno Távora em Olhos nos Olhos, da TVI.
Atualmente, os espectadores de Dancin" Days veem a homossexualidade retratada por homens mais velhos, um dos quais [Aníbal, Vítor Norte] já tinha sido casado e tem dois filhos, um deles menor. Para Diogo Carmona, que interpreta Bruno, dar vida a um filho de um homossexual não implicou uma preparação diferente. "Entrei nesta personagem como sendo alguém normal, sabíamos desde o início que este era o meu papel e foi completamente normal para mim. A homossexualidade é algo cada vez mais comum na sociedade e as pessoas deviam levar isto de uma forma banal", diz o jovem ator àNotícias TV. O Bruno de Dancin" Days aproveita para deixar conselhos à colega que for escolhida para dar vida à Camila de Ambição. "Ela deve procurar pessoas que passem por essa realidade e, acima de tudo, deve estudar o tipo de pessoa que a Camila será. É muito importante que não seja preconceituosa", refere.
O autor, se tivesse as filhas inscritas numa agência de atores, não se importaria de as ver dar vida a Camila. Contudo, e desdramatizando, diz que na SP Televisão "sempre foi dada uma atenção especial às crianças que fazem ficção, há que distinguir o que é realidade e o que é ficção". Acredita que os pais são fundamentais a explicar aos filhos como se deve ver televisão, embora ache que "a maior parte dos portugueses não terá esse preconceito", o da coadoção por homossexuais.
"É importante mostrar o impacto que pode ter na vida das crianças"
Para Vítor Norte, a abordagem desta questão no pequeno ecrã "é muito importante, porque é algo presente na nossa sociedade, ainda é um bocadinho tabu e tem de deixar de ser". Paulo Pinto, que interpreta o companheiro de Norte em Dancin" Days, fala do formato novela como "um produto com a missão social de formar mentalidades e abrir as mentes". "As pessoas normalmente só gostam do que conhecem e como a homossexualidade ainda é tabu, a novela pode desmistificar e mostrar que na realidade somos todos iguais", enaltece o ator.
Rui Neto, por sua vez, espera "contribuir para que casos como o que se vai viver em Ambição sejam encarados com maior entendimento e aceitação". "A lei vai mudando e nós, atores, trabalhamos para as pessoas e para que estas entendam com o coração o que às vezes a cabeça não aceita", enaltece. Ângelo Rodrigues ficaria "orgulhoso" se, com a abordagem destes temas na ficção, os portugueses começassem a mudar a mentalidade e a olhar para os homossexuais de outra forma. "Luto diariamente contra a ignorância e contra a homofobia e acho que estamos no bom caminho", refere.
Paulo Côrte-Real, presidente da direção da Associação ILGA [Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero], defende a relevância da abordagem. "É importante que a situação seja reportada no sentido de mostrar o impacto que pode ter na vida das crianças", explica.
O responsável ressalva, contudo, que o que se vai ver na história com a morte de um dos pais "é uma situação extrema". "Mas existem outras que não são tão próximas, mas que também são muito importantes, como a experiência familiar, a educação da criança, a saúde, e eventualmente questões de separação ou divórcio, porque isso também acontece em casais homossexuais. E a criança tem de ser protegida em todos eles", evidencia.
Pedro Lopes garante que essas histórias vão estar em destaque. "As personagens são mais do que um casal que quer adotar. Eles têm as suas vidas. A adoção é uma parte importante das suas vidas, mas há outras", refere. Crítico da proposta agora aprovada, Luís Villas-Boas, diretor do Refúgio Aboim Ascensão, discorda da intenção de trabalhar o tema. "Não sei como se pode abordar a situação da coadoção, não me parece que seja nada novelável."
NTV
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