Boa Tarde! Bem-Vindos à 40ª edição, da rubrica ‘Programa X’, do site SIC Gold! Vou dar a conhecer uma entrevista que o Dr. Pedro Norton, da SIC, deu à revista NTV.
Aos 44 anos, chegou à presidência da SIC e do grupo que detém a primeira televisão privada portuguesa. Elogia Balsemão, mas recusa a ideia de ser seu afilhado. Se chegou onde chegou, diz, foi à custa do seu mérito profissional. Pedro Norton, otimista com futuro da SIC, não esconde a preocupação com a indefinição do negócio dos media. A crise por que passamos não lhe permite garantir que não haverá mais despedimentos ou redução de salários. A primeira entrevista do novo patrão da Impresa, num almoço que se prolongou até às 16.30 do dia em que assumiu as novas funções.
Há vários anos que se dizia que Pedro Norton seria o futuro da SIC. Como é que um homem que se define, no seu blogue, como "forrado a nostalgia" pode ser o futuro de alguma coisa?
[risos] É preciso contextualizar a história da nostalgia, foi uma brincadeira num blogue que é feito a pensar na recuperação de memórias afetivas.
Mas é uma expressão que o define enquanto tal?
[pausa] Define-me naquele contexto. Não me considero estruturalmente nostálgico, mas às vezes é bom tirar lições do passado. E nesse sentido, respondendo à sua pergunta, não acho que seja contraditório. Temos de aprender e crescer com o passado para projetar o futuro.
Se há 20 anos, pouco depois de ter terminado a licenciatura na Católica, lhe dissessem que passadas duas décadas ia ser presidente da Impresa, o que diria?
Nem sei. Aos 20 anos é óbvio que não pensava ser presidente da Impresa, mas é verdade que desde muito cedo orientei a minha carreira no sentido de vir para uma indústria de que gosto muito. À medida que fui conhecendo este mercado, fui percebendo que era isto que queria.
Era um jovem de certezas?
Não, não. Ter dúvidas é muito saudável. Continuo a ter dúvidas todos os dias. Não tenho dúvidas existenciais sobre tudo e mais alguma coisa, são dúvidas limitadas. Mas tenho-as, sim.
Onde estava há 20 anos, às 16.30 do dia 6 de outubro de 1992?
Às quatro e meia da tarde? Estava na SIC, a assistir ao nascimento da SIC. Não se esqueça de que eu já cá estava. Comecei a trabalhar na empresa em março desse ano e no dia 6 de outubro estava cá, entusiasmado, como todos os que cá estavam.
Na segunda-feira passada tornou-se oficialmente presidente da Impresa. O que sentiu nesse dia? É uma data simbólica, evidentemente, até porque já era vice-presidente, mas o que significa no seu percurso?
Senti uma enorme responsabilidade [risos]. Mas não consigo encontrar um ponto de rutura, já que isto é uma evolução, um ato contínuo. Já era vice-presidente. Mas não nego que este passo acarreta a assunção de uma enorme responsabilidade em relação ao futuro da empresa e de quem cá trabalha. Mas, de certo modo, era uma responsabilidade que já sentia.
"Não sou um afilhado"
Sente que Francisco Balsemão foi um patrão que apostou em si ou uma espécie de padrinho que se reviu em si?
[risos] ...
Os seus amigos dizem que Pedro tem um perfil humanista idêntico ao de Balsemão.
Diria que o meu perfil tem alguns pontos de contacto com o do Dr. Balsemão, embora seja mau juiz de mim mesmo. Cheguei onde cheguei, e perdoe-me a imodéstia, por mérito próprio. Não tenho grandes dúvidas sobre isso. Nunca me senti afilhado de ninguém, fiz o meu caminho até cá chegar.
Os mesmos amigos dizem que o que faz de si um bom gestor é o facto de não estar apenas focado nos números. Os números não são o mais importante num cargo deste tipo, ainda por cima num momento de crise?
Os números são um instrumento para um desígnio mais vasto. Não é possível gerir um grupo de media (e provavelmente um outro negócio qualquer) numa perspetiva exclusivamente financeira. Desse ponto de vista, uma cultura humanista e uma visão mais lata das coisas são um importante contributo.
Mas dos números depende o resto da vida de uma empresa...
É verdade, mas os números também dependem do resto da vida de uma empresa [risos].
Há mais vida para lá do défice...
Sim, há, com certeza. Não é possível, sobretudo numa altura de dificuldades, manter o rumo sem ter bem definido o sentido coletivo de uma empresa.
A crise nos media
Vamos aos números então: a Impresa regressou no segundo trimestre do ano aos resultados líquidos positivos, com 2,2 milhões de euros. Mesmo sabendo que as receitas consolidadas de 63,6 milhões desceram 7,5% em relação ao período homólogo do ano passado. Que tempos são estes em que vivemos?
São tempos de grande incerteza, embora se cruzem aqui dois fatores de natureza diferente que importa referir. Por um lado, há uma mudança estrutural na área dos media. E isso tanto acontece na televisão como na imprensa. E depois há um fator conjuntural, que é esta crise do país, que vai aliviar, embora ninguém saiba se é em 2013, em 2014 ou 2015. Mas o negócio dos media está a transformar-se simultaneamente. E nesse caso é irreversível.
Sim, mas a crise dos media é independente da crise das dívidas soberanas. Já ouvimos falar da crise no mercado publicitário desde 2005.
É verdade, mas ela agudizou-se em 2008, com a crise financeira. A verdade é que o mercado publicitário reage sempre de uma forma agressiva e elástica, para utilizar um jargão económico, às variações do PIB e do consumo. O que estamos a assistir é a um reflexo, se bem que mais dramático, do que está a acontecer à economia em geral. Quando a economia bater no fundo...
... não bateu ainda?
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É difícil dizer se já bateu no fundo porque as perspetivas para o próximo ano são de uma queda adicional, portanto, é razoável pensar que ainda não bateu. Ainda ninguém viu a luz ao fundo do túnel. Mas é expectável pensar que uma recuperação da confiança da economia e, sobretudo, do consumo interno se traduza num regresso do crescimento dos mercados publicitários.
O mais certo, segundo todos os analistas, é que o mercado publicitário, que ainda há poucos anos valia 800 milhões de euros e que hoje está abaixo dos 500 milhões, não volte ao ponto onde estava antes da crise.
E isso é uma preocupação grande. Mas também todas as empresas já fizeram um ajustamento tão grande que não precisam de que o mercado volte ao nível de 2000 para que sejam projetos viáveis e sólidos.
As crises têm essa vantagem? De nos fazerem viver com aquilo de que realmente precisamos?
[pausa] É duro dizermos que é uma vantagem quando pensamos nas medidas que tivemos de tomar para aqui chegar e no impacto que elas tiveram na vida das pessoas, mas, sim, é verdade que, para o bem ou para o mal, tivemos de nos readaptar. E hoje conseguimos ter processos de funcionamento e uma racionalização na utilização dos meios que nos permitem ter uma vida muito diferente da que imaginávamos há quatro ou cinco anos.
Nas contas da Impresa, no segundo trimestre do ano, as receitas publicitárias caíram 11,2%. A quebra do mercado é o grande desafio que se coloca neste momento a qualquer gestor de media?
Sem dúvida. O mercado deve estar a cair 20% este ano e isso é um grande desafio. Nos últimos quatro, o mercado publicitário terá caído 40%.
300 milhões de euros...
À volta disso, sim. É brutal. O esforço de adaptação que todas as estações têm feito é brutal. Com consequências tão visíveis como o facto de este ano nenhum dos operadores principais ter entrado na disputa dos jogos da I Liga de futebol. Pergunta-me como se supera esse desafio. Bem, temos duas variáveis para mexer: uma é a dos custos, que não é uma forma de gestão muito divertida mas é inevitável, outra é a das receitas. Desse ponto de vista, a SIC tem feito, quanto a mim, um trabalho notável.
"O destino da RTP é fundamental para o sector"
Esta realidade do mercado não obrigará, a curto/médio prazo, a nova necessidade de rescisões amigáveis ou despedimentos?
[pausa] Neste momento, estamos a trabalhar no exercício do orçamento para 2013 e há um conjunto de variáveis que não estão definidas, como por exemplo ainda não sabemos muito bem o que vai acontecer no último trimestre do ano. As coisas mudam hoje muito em cima do momento. Além disso, não sabemos o que vai acontecer à RTP. Estamos a fazer o orçamento para 2013 e termos planos de contingência para qualquer eventualidade. Por isso, é muito prematuro dizer o que quer que seja sobre isso. Há muitas variáveis em aberto.
O destino que o governo der à RTP é fundamental na definição do orçamento da SIC?
O destino da RTP vai ser fundamental para o sector. Não tenho a menor dúvida sobre isso.
Neste momento, há uma grande indefinição sobre o futuro da RTP. Qual seria a melhor solução para a RTP e para os privados?
Deixe-me que lhe diga que não sou governante, felizmente, porque também não lhes gabo a sorte. Portanto, compreenda que não me compete definir o modelo político para a RTP.
Mas enquanto gestor tem uma opinião.
O que acho é que nesta conjuntura será um erro aumentar o número de minutos de publicidade na RTP. O mercado caiu 40% nos últimos quatro anos. Todos os agentes do mercado, desde as estações generalistas privadas até aos produtores, passando pelas agências, são unânimes: oferecer mais minutos de publicidade no mercado português neste momento terá efeitos catastróficos para a indústria.
Que efeitos? Acha que algum dos operadores existentes corre risco de vida?
Vai ter efeitos não só para os operadores televisivos mas também para os produtores, para as agências e até para outros segmentos de mercado. Com o aumento da publicidade na televisão, não tenho dúvidas de que assistiremos, na imprensa, ao encerramento de títulos e publicações do mercado português.
Se toda a gente no mercado é unânime em relação a isso, por que razão é ainda uma hipótese teórica? Acha que os governantes desconhecem a realidade do mercado?
Não lhe sei explicar, terá de perguntar a quem de direito. O que sabemos é que existem seis modelos para a RTP que estão a ser estudados. Não os conheço todos, portanto, acho que temos de esperar. Este debate deve ser feito com alguma serenidade. Não vale a pena comentarmos hipóteses teóricas. Vamos esperar para ver o que o novo presidente da RTP e o governo decidem para a empresa e, depois, então sim, elaborar comentários.
Enquanto gestor, que opinião tem de Alberto da Ponte, o novo presidente da RTP?
Acho que Alberto da Ponte é um gestor de créditos firmados, um excelente gestor, tal como era, aliás, o seu antecessor, Guilherme Costa. Desse ponto de vista, a RTP está bem servida.
O serviço público
Ao longo destes 20 anos, um dos cavalos de batalha da SIC em relação à RTP era que a televisão pública fazia "concorrência desleal". Foi uma acusação muitas vezes repetida por Francisco Balsemão. Qual é a sua opinião? Sente que a RTP faz concorrência desleal às privadas?
O modelo em que se mistura publicidade comercial com uma missão de serviço público assenta numa certa contradição dos termos. Não é muito saudável. Reconheço, contudo, que as administrações que têm passado pela RTP nos últimos anos têm revelado uma preocupação crescente de gerir os meios à sua disposição, mas o modelo misto tem essa perversão intrínseca.
Enquanto conhecedor do mercado, sente que faz falta uma televisão de serviço público, ou que os mecanismos de regulação e autorregulação são suficientes?
Por mais paradoxal que isso seja, nunca se estabilizou a definição de serviço público. Não é, ainda hoje, um conceito consensual.
Como assim? Há 20 anos, pelo menos, que andamos a discutir isso.
Não digo o contrário, mas a minha definição de serviço público é seguramente diferente da sua. Provavelmente, ninguém sabe definir.
E é definível ou estamos a tentar definir o sexo dos anjos?
É seguramente definível em termos mais concretos do que atualmente. E esse é o ponto de partida para qualquer discussão. Não sei se faz falta uma televisão de serviço público se não souber o que é serviço público.
Mas o que é feito da discussão de gente tão relevante da sociedade portuguesa e da análise de, pelo menos, dois grupos de trabalho nomeados pelos governos nos últimos dez anos?
[risos] É uma boa pergunta. Seria bom estabilizar-se essa reflexão em algum consenso, mas não vejo isso a acontecer. Por exemplo, ninguém sabe o que é feito das conclusões do último grupo de trabalho. Passou um ano e ninguém sabe o que é feito dessas conclusões. O governo revê-se nelas?
Aparentemente, estão na gaveta.
Portanto, aparentemente, não é bem naquilo que o governo se revê.
Muito bem, mudemos de tema. Há cerca de dez anos, o seu amigo Manuel Fonseca era diretor de programas da SIC. E foi ele quem inaugurou, pelo menos para o exterior, uma frase que fez história: "Prefiro ser líder na rentabilidade do que ser líder de audiências." Uma coisa não decorre da outra?
A prazo, sim. A prazo, a liderança dos targets comerciais, em que a SIC tem há muito excelentes resultados, levará à liderança de audiências. Nós estabelecemos prioridades, até porque estamos num tempo difícil. Começámos por apontar para o prime time e para os targets comerciais. Felizmente, a SIC é hoje líder nos targets comerciais no horário nobre, sobretudo de segunda a sexta-feira, é líder na informação aos dias úteis e é líder no cabo. É natural que venha a ser líder em todo o universo. Mas a nossa preocupação foi fazer um caminho sustentado nos públicos-alvo que são mais rentáveis. Olhamos para o negócio como um todo, mas procurámos fazer apostas em áreas nevrálgicas.
As novas audiências da GfK
Há quem olhe para esta reviravolta nas audiências e para a subida da SIC como uma consequência da mudança no sistema de medição de audiências, que passou da Marktest para a GfK. É lícito dizer que se não fosse a GfK, a SIC não tinha razões para sorrir?
É uma forma completamente injusta de pôr as coisas. A SIC tem muitas razões para sorrir agora que comemora 20 anos. Tem razões para sorrir em termos de audiências porque a sua equipa de programas e informação, sob a liderança do Luís Marques, vem fazendo um trabalho muito persistente e sólido há vários anos e em condições muito difíceis. Os resultados não começaram a aparecer hoje e são, para quem os queira ver, evidentes há muito. A tendência está lá e é anterior às mudanças na audimetria. É verdade que a SIC tem assumido a liderança das audiências no horário nobre nas últimas semanas. Mas há anos que lidera nos targets comerciais e isso não acontece por acaso. A SIC, repito, é hoje líder no horário nobre, na informação e no cabo. A SIC é líder por mérito próprio e por força de um longo trabalho.
Como olha para as acusações, mais ou menos veladas, vindas da TVI e da RTP, em diferentes momentos, de que a SIC foi a grande beneficiada com a entrada em funções da GfK?
Não me parece que existam críticas veladas. O tema está ultrapassado e a forma como o sector soube entender-se em sede de autorregulação deve, aliás, ser elogiada.
Mas acha que as audiências são bem medidas em Portugal?
Não sou eu que acho. O mercado, em sede da CAEM, escolheu este sistema.
Sim, é verdade, mas a TVI, por exemplo, cortou com a GfK, a medição homologada pela CAEM, e está a trabalhar com os dados da Marktest?
Não sei se é assim nem me ficaria bem falar pela TVI, com quem a SIC mantém excelentes relações.
Acredita, portanto, que estas boas audiências da SIC são o início de um novo ciclo nas audiências, depois de uma década de domínio absoluto da TVI?
Não tenho dúvidas de que estamos a inaugurar um novo ciclo, o da liderança da SIC. Não começou hoje nem ontem, mas sim há dois ou três anos.
Tem um prazo para isso?
A SIC já é líder naquilo que mais a preocupa, nos targets comerciais e no prime time.
Não se pode dizer que a SIC é líder no prime time. Liderou o horário nobre nas últimas duas semanas. Não significa que seja líder. É capaz de ser cedo para o dizer de forma tão taxativa...
[pausa] Mas não quer que despreze o facto de sermos líderes do prime time há duas semanas, pois não? [risos] De qualquer forma, é uma liderança, acreditamos, sustentada. Não é um epifenómeno. É a consolidação de um trabalho que vem de trás, de aposta na ficção. A SIC entrou a sério, com uma estratégia consistente, na produção de ficção e os resultados estão à vista. E não caíram do céu. Não é por acaso que ganhámos um Emmy há um ano e que estamos a chegar à liderança no horário nobre.
A liderança do prime time da SIC não acontece por causa de Dancin'Days. É um instrumento importante, sem dúvida, mas a estação só começou a liderar o prime time de novo por causa das novelas da Globo, quando estreou Gabriela. Daqui a 40 episódios, a Gabriela acaba...
O Dancin'Days fez uma trajetória absolutamente notável e superou as nossas melhores expectativas. A grelha faz-se de vários blocos e é desse somatório progressivo que se vai consolidando. Não estamos perante um fenómeno que explodiu de forma abrupta. Estamos perante um trabalho de anos.
O day time afigura-se mais complicado, até porque o ponto de partida da SIC neste momento é ainda mais baixo. Ao fim de um ano e meio, Júlia Pinheiro não dispara e Conceição Lino, ao fim de dois anos, continua muito abaixo do que se esperava...
O que conseguimos demonstrar até agora é que, no que eram as faixas fundamentais do consumo televisivo e da rentabilidade comercial, fizemos bem o nosso trabalho. Fomos persistentes. É possível fazer o mesmo caminho no day time. E estamos a fazê-lo.
Sem resultados...
É verdade que são horários em que a concorrência também não está a dormir e tem boas propostas alternativas.
Mas acha que o modelo deve ser este: talk show, jornal, talk show?
[pausa] Enfim, não me compete a mim definir se é esse o caminho. O modelo está testado e é também esse o que a nossa concorrência tem.
É um modelo que não necessita de ser repensado? É uma inevitabilidade que a televisão generalista durante o dia assente num talk show de manhã e num à tarde, intervalados apenas por um noticiário e uma novela?
Em televisão temos de repensar tudo. Cada vez mais. Não podemos ter fixismos. O consumo de televisão está a mudar muito rapidamente e, provavelmente, o que é verdade hoje não será verdade daqui a três anos. Nada nos garante que o modelo que hoje serve, servirá daqui a uns anos.
Apesar de tudo, o público day time é mais conservador...
É, mas também o aumento dos níveis de desemprego veio contribuir para essa volatilidade que lhe falava. O público que vê day time hoje não é o mesmo que via há cinco anos. O público é diferente, o perfil é outro.
As loucuras e a demagogia com os ordenados
Deixe-me voltar um bocadinho atrás. Há pouco dizia-me que era extemporâneo falar de eventuais despedimentos até porque não se sabe nada, ainda, sobre o futuro da RTP. E em relação à redução da massa salarial também é extemporâneo?
Também. Neste momento, o ponto em que estamos, como lhe disse, é na definição das grandes linhas de orçamento para o próximo ano. É um processo normal em todas as empresas. Estamos a trabalhar com cenários alternativos. Com a informação de que agora dispomos, é extemporâneo.
Portanto, não pode garantir que não haja despedimentos nem redução de salários no grupo Impresa?
Não posso garantir uma coisa dessas nem o seu contrário.
Mas sente que esta discussão, naturalmente impopular, sobre os ordenados dos profissionais de televisão tem utilidade? É possível continuar a pagar na televisão ordenados de 40, 30 ou 20 mil euros por mês?
[pausa] O tempo não está, evidentemente, para loucuras, mas também não se deve ter uma conversa demagógica sobre o tema.
Isso significa o quê?
Significa isso mesmo. O tempo não está para loucuras, mas os ordenados das ditas estrelas também não caíram do céu, caíram de uma lógica de mercado a funcionar. É natural que a pressão que existe hoje sobre esses custos seja completamente diferente. Não estou a ver que exista atualmente uma capacidade de inflacionamento desse tipo de valores, mas não me parece salutar para o mercado estarmos a identificar casos pontuais na SIC, na RTP ou na TVI.
Big Brother: "Só não comete erros quem não decide"
Se fosse presidente da SIC no ano 2000, teria comprado o Big Brother só para evitar que a TVI o tivesse comprado, como de resto veio a acontecer?
[gargalhada] Isso de refazer a história...
Não estou a tentar reescrever a história, estou apenas a fazer-lhe uma pergunta sobre uma decisão importante que, provavelmente, terá custado à SIC a liderança de audiências durante uma década.
[risos] Sim, percebo a sua pergunta e onde quer chegar. Ouça, só não comete erros quem não tem de decidir.
Portanto, está a dizer-me que foi um erro não seguir o conselho de Emídio Rangel?
[pausa] Fez-se uma ponderação de custos e potencial do programa. Não sei se foi um erro. Enfim, no estrito ponto de vista de que o Big Brother foi o que foi, não me custa aceitar que foi um erro. Mas o facto de o Big Brother não ter vindo para a SIC também marcou o perfil da estação. E aí, por exemplo, não foi um erro.
Mas se a SIC o tivesse exibido, hoje, provavelmente, seria a estação dos reality shows...
Se, se, se... Está a pedir-me um exercício difícil. Na altura, tomou-se a decisão com base nos resultados que tínhamos. É difícil colocarmo-nos, agora, no contexto de 2000 e pensarmos na decisão que tomaríamos hoje. É fácil fazê-lo, mas é pouco honesto.
Sente-se mais confortável com este perfil da estação?
Não sou, nunca fui nem quero vir a ser programador da SIC. Para isso tenho uma equipa excelente para o fazer, que é liderada pelo Luís Marques, pelo Luís Proença, pela Gabriela Sobral e pela Júlia Pinheiro.
Por essa ordem?
[risos] Não, à exceção de Luís Marques, que é diretor-geral, a ordem foi completamente aleatória. É evidente que discutimos as grandes linhas de programação e os enquadramentos orçamentais, mas eles é que sabem de conteúdos.
Está cá há 20 anos, tem noção...
Tenho, mas não me reconheço competências de programador. Além disso, mal seria que os meus gostos pessoais ou os do Luís Marques se sobrepusessem à estratégia da SIC. Tenho consciência de que os meus gostos não são os mesmos dos espectadores da televisão generalista.
A informação e o Benfica
Já agora, o que vê em televisão? Sei que gosta muito de informação...
É verdade, gosto. Aqui, estou sempre com as televisões ligadas e vou vendo aleatoriamente, até por dever profissional. Como espectador caseiro, diria que 80% do meu consumo é informação e os restantes 20% é Benfica [risos].
Portanto, não faz ideia de quem foi expulso no domingo passado na Casa dos Segredos?
[gargalhada] Não faço ideia.
Mas já viu o programa...
Já vi, já. Não é o tipo de programa que me interesse ou que veja por prazer. As vezes que vi foi para saber o que era, por razões profissionais.
Chocá-lo-ia ter um programa daqueles na SIC, ou se fosse rentável não se oporia?
Mais uma vez, não seria eu a tomar a decisão, embora também não me custe dizer que não está exatamente na linha do que a SIC tem feito nos últimos anos. E não me parece que existam razões para criar uma rutura com o que a SIC tem feito. Estamos muito contentes com a nossa linha de programação.
"A Liga Europa é um melhor investimento"
Sei que adora futebol e, pela primeira vez desde o início das transmissões televisivas, o principal campeonato português não passa em sinal aberto. É mau?
Não sei se é mau, mas é seguramente um sinal do mercado e do estado a que o mercado televisivo chegou em Portugal.
Há quem defenda que o Estado deveria ter obrigado a RTP a adquirir os jogos. Qual é a sua opinião?
Não me parece que no atual contexto de crise, e quando o governo pede à RTP para poupar, fizesse algum sentido o Estado obrigar o operador público a investir um valor tão grande.
A seleção de futebol está na RTP, a TVI comprou a Liga dos Campeões e a SIC mantém a Liga Europa. Foi o possível? A SIC não teve dinheiro para chegar à Liga dos Campeões?
Não se trata disso. A nossa experiência tem-nos dito que, numa análise custo-benefício, a Liga Europa é rentável e um bom investimento.
Sobretudo porque as equipas portuguesas têm chegado longe na prova...
Sim, mas esse é um dos dados do problema e é isso que tem rentabilizado o negócio. A Liga Europa é um produto com uma relação custo-benefício muito boa.
Isso não é o discurso de quem não tem dinheiro para chegar à Liga dos Campeões?
[risos] Isso é uma interpretação sempre possível, mas não é verdadeira.
O Benfica-Barcelona de terça-feira passada na TVI registou mais de dois milhões de espectadores...
Se me está a perguntar se gostava de ter tido o Benfica-Barcelona na SIC, é evidente que sim, gostava. Mas, ponderada a longevidade da carreira das equipas portuguesas e o custo da Liga Europa, esta competição é a mais eficaz para a SIC.
Não me parece muito crente na capacidade europeia do seu Benfica...
[gargalhada] Nada disso, nada disso. Não estou descrente no Benfica, nada. Mas a probabilidade de termos uma Liga Europa forte com mais equipas portuguesas até ao fim, reconheçamos, é mais elevada do que na Liga Europa.
"O Dr. Balsemão não é o Tio Patinhas"
Os portugueses não o conhecem. Gostava que me falasse um bocadinho mais de si...
[Suspira e recosta-se na cadeira] Gosto pouco de falar da minha vida privada. Confesso que não me sinto muito confortável.
Eu percebo, mas sei que teve uma infância feliz. Li no seu blogue...
Sim, tive uma infância feliz. Uma família unida, com algumas referências importantes.
Em Lisboa?
Sim, em Lisboa, com férias em Ponte de Lima, que marcaram muito a minha infância, já que essas férias eram passadas com trinta e tal primos. Tenho uma família grande, que me ajudou a passar essa infância feliz.
O que trouxe desse tempo para a sua vida de cidadão e de pai?
[pausa] É uma boa pergunta. Os nossos valores e princípios de vida são fundados nessa fase da vida. E eu não fugi à regra.
Que valores eram esses?
Ser juiz em causa própria é uma situação que me deixa desconfortável, reconheço [agita-se e sorri]. Mas em minha casa sempre se valorizou o culto da honestidade, da lealdade. E isso creio que transparece na vida profissional. É apenas mais uma parte da vida.
E passou esses valores para os seus filhos...
Espero que sim, espero que sim...
E o benfiquismo também?
Completamente. Mas isso foi sem cedências nem hipóteses de escolha [gargalhada]. Nessa matéria, não há democracia em minha casa [risos]. Eles são benfiquistas e sócios.
Vai ao estádio?
Vou, vou. Tento não falhar.
E é daqueles adeptos bem-comportados ou nem por isso?
Nada, nada. Nem queira saber. Nem me quero lembrar disso. Até tenho vergonha [risos].
E sofre com as derrotas?
Muito, muito. Por exemplo, custou-me muito engolir aquela derrota com o FC Porto para a Taça, em que ganhámos no Dragão e perdemos na Luz. Há coisas que custam muito. Como perder com o FC Porto com aquele golo em fora-de-jogo de Maicon. O meu filho chora mesmo, coitado. Eu não.
Também tem outra idade...
[risos] Sim, tem. Um tem 11 anos e o outro tem 5.
Sei que adora viajar e que a Índia é uma das suas paixões...
Sim, é verdade. Fiz duas viagem grandes à Índia. Uma vez conheci o Norte todo e desci até Goa, e uma segunda fiz o Tamil Nadu.
O que o atrai naquela cultura e naquele país?
Gosto muito de fotografia e, portanto, a Índia é um estímulo fotográfico permanente. Mas há um equilíbrio estranho naquele país. É contagiante. Sou pouco dado a misticismos, mas ali, de facto, respira-se um ambiente muito pacificador.
É um homem de silêncios ou é um homem expansivo?
Consigo encontrar espaço para tudo na minha vida.
Ainda há pouco, quando fazíamos a sessão fotográfica na redação da SIC, vi que as pessoas o tratam com grande proximidade e até, em alguns casos, por "tu"...
Sim, é verdade. É natural em mim. Trabalho aqui há 20 anos, as pessoas conhecem-me. Sou amigo de várias pessoas que aqui trabalham. A autoridade não se exerce com permanentes manifestações de autoritarismo.
Alguns dos seus amigos dizem que Pedro tem uma aura de forreta. É verdade?
[risos] Forreta? Não me parece. A missão de um gestor é garantir que cada investimento que faz é bem medido e bem justificado. Sou chato, eu sei. Obrigo cada colaborador a justificar cada euro que quer gastar, mas isso faz parte de um exercício saudável de todos os dias procurarmos ser racionais nos custos. Mas forreta, não.
Curiosamente, o Dr. Balsemão sempre foi considerado assim. Até lhe chamavam, por brincadeira, Tio Patinhas...
[risos] É uma alcunha com graça, mas injusta. Basta, aliás, ver o percurso dele. Ele foi capaz de arriscar ao longo da sua vida empresarial. Isso chega para perceber que não pode ser Tio Patinhas.
NTV
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