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17 de outubro de 2014

Entrevista ao jornalista Henrique Cymerman da SIC



É o homem a quem o Papa Francisco chama de "anjo da paz" e em quem foi depositada a confiança de ajudar a concretizar um encontro entre o Chefe do Estado do Vaticano e os líderes de Israel e da Palestina. No livro Francisco, de Roma a Jerusalém, o correspondente da SIC mostra uma visão inédita dos primeiros meses do pontificado de Francisco.

Veja em seguida a entrevista completa ao jornalista Henrique Cymerman da SIC, que deu à Notícias TV!



Porque é que foi o escolhido do Papa?

Parece que o papa Francisco me conhecia antes de eu o conhecer. Ou seja, ele conhecia-me da televisão. Ele é um freak de notícias internacionais. Gosta muito de ler, de ver televisão. É um homem a quem não interessa apenas religião, tem uma mente muito ampla. E eu falei sobre isto com o rabino [Abraham] Skorka [melhor amigo do Chefe do Estado do Vaticano] e eles queriam que um jornalista fosse lá [ao Vaticano] para romper este tabu. Pela primeira vez, um Papa falaria com um jornalista. O que acho que foi decisivo foi uma conferência que dei em Buenos Aires, onde estava - embora eu não soubesse - o rabino Skorka. Ele disse - perdão pela falta de modéstia - "foi a melhor conferência que eu já ouvi. Nós gostávamos que viesses connosco ao Vaticano". No primeiro momento, pareceu-me uma estupidez. Eu não sabia quem ele era... mas no dia seguinte já tinha um mail a dizer-me para ir ao Vaticano no dia 7 de junho. Eu disse que não podia porque a minha filha Dana se ia casar. E assim foi! No dia 13 de junho começámos a aventura do Tintim [risos]!

O Papa apelidou-o de "anjo da paz". O que é que isso significa para si?

Quando ele me disse isso pela primeira vez pensei que estava a brincar, porque o Papa gosta muito de dizer anedotas. Eu disse... "anjo, anjo"... E ele respondeu "eu tenho aqui a obra que se chama Anjo da Paz e quero entregar-ta em frente às câmaras". Ele levou a condecoração num saquinho, como se tivesse ido às compras. Ninguém o ajudou. Eu quis, ele não me deixou. Cruzámos toda a residência de Santa Marta até à sala onde foi a entrevista e, aí, ele entregou-me em frente à câmara e disse o que disse. São coisas que... acho que, se alguém me tivesse dito, há um ano e meio ou dois, que tudo isto ia acontecer, eu dizia-lhe que tinha bebido de mais ou que estava maluco. É impensável... não são coisas que se possam planear. Esta história mostra que o melhor guião de Hollywood não consegue comparar-se à realidade.

O coautor de Francisco, de Roma a Jerusalém, Jorge Reis-Sá referiu que "o conteúdo do livro já chegou ao Papa e ao secretário pessoal dele" e que o Papa manifestou a vontade de ver o livro traduzido para outras línguas.

Sabe que ele não simpatiza muito com coisas que lhe dão muito protagonismo. Neste caso, ele pensou que era importante trazer a todo o mundo a mensagem que nós estamos a passar neste livro. E, portanto, deixou de parte a resistência que tem a temas de ego e disse "o mais importante é publicar e difundir, até mesmo no Médio Oriente". Até se fala na possibilidade de traduzir para árabe e hebraico, para que chegue às pessoas no Médio Oriente.

O que é que significou para si, em termos espirituais, a feitura deste livro?

Eu, de alguma maneira, superei algumas dificuldades que tinha com o mundo cristão, com o clero, sobretudo. Dificuldades por certos traumas que me foram provocados durante a infância, no Porto.

Como assim?

Eu estudei nos Maristas [os Irmãos Maristas, comunidade religiosa fundada no século XIX por Marcelino Champagnat, canonizado em 1999, têm instituições de ensino católico em todo o mundo], no Porto, e tinha dispensa das aulas de religião. E, um dia, no princípio da quarta classe, creio, eu estava no recreio, na hora das aulas de religião. O diretor da escola viu-me no recreio - ele sabia tudo, porque o meu pai fazia os pedidos através do Ministério da Educação, todos os anos - e disse "aqui não aceitamos crianças que não vão às aulas de religião. Vai imediatamente para a aula". E eu, com oito anos, confrontei-o. Neguei-me, disse que não e quis telefonar ao meu pai. Não havia telemóveis, fui ao escritório do diretor, telefonei ao meu pai. Ele veio e tirou-me da escola. Foi uma coisa que me deu muita pena, esse momento, esse radicalismo, esse fanatismo por parte desse padre. Outro caso aconteceu durante um jogo de futebol. Eu jogava futebol num campeonato organizado pelos Maristas, com crianças do Grande Porto, e um dos jogos era num campo de futebol atrás de uma igreja. Um padre veio ter comigo e disse-me "tu és o Cymerman, não és?". E eu disse, "sou". Ele disse-me "tu não podes jogar aqui". Eu disse-lhe - tinha oito anos - "acho que está a cometer um erro". Peguei nas minhas coisas e fui-me embora. Contei isso tudo ao Papa Francisco, na primeira vez que fui ter com ele, e ele tinha uma lágrima nos olhos. Ele disse-me: "Por isso é que eu estou aqui. Para evitar que coisas como essa aconteçam de novo."

Eram acontecimentos nos quais tinha pensado, ao longo da sua vida, ou só agora é que eles vieram à tona?

Pensei, obviamente. Eu tento educar os meus filhos como pessoas com mentes muito abertas. Mas há certas coisas que nos acontecem na infância e nos marcam para a vida, independentemente da racionalização. É uma coisa que tinha ficado no meu subconsciente e que, de alguma maneira, estava aí. Quando comecei esta relação com o Papa, quando lhe contei isto tudo, de repente, o cristianismo e o catolicismo que este Papa representa tornaram-se numa coisa que eu poderia aceitar com muito mais facilidade. Porque é uma coisa que apoia o diálogo, sobretudo. E eu vi o diálogo que ele já tinha com o judaísmo, que é extraordinário. Ele está a fazer uma revolução enorme, juntamente com o amigo dele, o rabino [Abraham] Skorka.

O Henrique disse no início da semana, em entrevista à SIC, que o Papa lhe ligou recentemente e lhe disse "vamos fazer coisas juntos". Sente que esta sua relação está a tornar-se maior do que as suas funções de jornalista? Tem noção de que lhe está a ser incutida uma missão?

Tenho, tenho essa noção. É uma coisa sobre a qual, às vezes, penso e falo. Eu penso muito no que me acontece e tento, em primeiro lugar, que não me suba à cabeça. Tento manter os pés na terra, sobretudo porque, se eu realmente tenho de fazer alguma coisa no futuro, tenho de estar muito frio e não me deixar embriagar. O que quer que aconteça no futuro... há vários planos. Não sei se vão ser aceites, se vão para a frente ou não. O Papa já me deu luz verde para projetos que estamos a pensar fazer. Onde é que isto nos vai levar? Só Deus e o Papa sabem.

Que tipo de projetos?

Projetos para tentar trazer um pouco mais de paz ao Médio Oriente e a este mundo em geral.

Esses projetos implicam da sua parte um trabalho menos jornalístico e mais político?

Não, não. O que eles implicam, vamos ver. Porque eu ainda não sei, nunca os fiz. Eu acredito num jornalismo diferente. Há pessoas que pensam que, se uma pessoa contribui para determinadas causas, está a perder a objetividade jornalística. Como eu não acredito na objetividade jornalística, acredito na honestidade, acho que continuarei a ser o mais honesto possível. Porque, se não o for, não poderei fazer a outra missão. Vamos ver o que o futuro me traz. Eu - e acredite que lhe estou a dizer a verdade! - em momento algum pensei que tudo isto ia acontecer. E aconteceu! Eu não sei o que me espera amanhã, não sei se isto tudo vai acabar sem que eu passe a ser só esta história, o que já não é pouco para lembrar no futuro. Sei que tenho dois encontros previstos com o Papa nos próximos seis meses e vamos ver o que vai sair disto tudo.

Receia que esta proximidade ao líder da Igreja Católica condicione o seu trabalho, nomeadamente junto da Autoridade Palestiniana? Acredito que alguns muçulmanos não vejam com bons olhos a proximidade de um jornalista judeu ao Vaticano.

Pelo contrário! Eu acho que esta proximidade abre portas. Os líderes árabes, sobretudo os líderes com quem falo habitualmente, respeitam muito este trabalho que fiz e falam comigo com mais facilidade do que se não tivesse feito tudo isto. Eles riem-se, chamam-me "anjo da paz". O próprio Presidente palestiniano [Mahmoud Abbas] diz "ó, o anjo da paz vem aqui!". E temos um contacto muito mais fluido graças a tudo isto, pelo que não encaro esta situação como um problema. Se eu chegar a um ponto, daqui a alguns anos, em que tenha de decidir entre uma coisa e a outra, decidirei. Mas neste momento não é essa a situação.

Se tiver de decidir, que caminho escolhe?

Se eu sentir que há uma contradição de interesses entre estes caminhos terei de decidir. Há uma coisa que aprendi em Israel. Lá, vai-se construindo a realidade passo a passo e não sabemos o que vai acontecer depois de amanhã. Pode-se, no máximo, planear o que vai acontecer amanhã e esperar que aconteçam certas coisas. Mas é só uma esperança.

Vivemos, muito por culpa do Estado Islâmico (EI), um momento em que há uma crescente islamofobia. Onde é que entra o compromisso com a parte islâmica, neste plano para tentar alcançar a paz?

Não é só o Estado Islâmico. São vários os grupos. Há grupos sunitas, há grupos xiitas, que não são muito diferentes do EI, e eu conheço-os bem e acompanho-os há muitos anos. Na semana passada entrevistei gente da Jahbat al-Nusra [ramo sírio da Al-Qaeda], numa reportagem que foi transmitida na SIC. À parte disso temos o EI, o Hamas, o Hezbolllah no Líbano, que é muito perigoso e do qual se fala muito pouco. São grupos extremamente perigosos, com os quais não se pode dialogar. Não é possível o diálogo. Mas é preciso que todos os restantes, inclusive a maioria dos muçulmanos, que não tem nada que ver com estes grupos, não seja incluída no mesmo saco. É preciso justamente transformá-los em aliados na luta contra estes grupos.

Mas a verdade é que os media ocidentais, seja na Europa, seja nos EUA, também não estão a contribuir para que seja feita essa distinção.

Os media ocidentais são muito superficiais quando falam do Médio Oriente em geral. E erram continuamente. Esta última guerra de Gaza foi terrível. Acho que não se percebe nada do que o Hamas está a fazer em Gaza. Acho que as pessoas não entendem, pensam que é o Che Guevara, que é a resistência na II Guerra Mundial. E não entendem que é um grupo que quer defender uma forma de vida totalmente radical. A propósito - e embora não possa falar em nome do Papa sobre isto -, entendo que o Papa está muito preocupado com este fenómeno. Ele disse-me uma frase terrível: "Hoje morrem mais cristãos assassinados por grupos radicais do que no século I."

Em 2004, disse, numa entrevista ao DN: "O meu terror era ser jornalista em Bruxelas." Mantém essa opinião?

Totalmente [risos]! Ir às photo ops [situações criadas para fotografar determinados intervenientes], ter de ver aquele funcionário mais chato do que o outro, os burocratas de Bruxelas... acho que me suicidava depois disso! Eu preciso de sentir as coisas básicas da vida. Preciso de chegar às pessoas, aos seres humanos, não aos burocratas que me chateiam e me aborrecem.

Qual é a sua opinião sobre o estado atual da União Europeia?

A União Europeia sofreu um golpe importante com esta crise. Mas acho que há agora um fenómeno fascinante, que estudariase tivesse de fazer um doutoramentoem Ciências Políticas: a União Europeia, que veio justamente trazer uma união entreos diferentes países europeus que nãotinham assim tanto em comum no passado,está agora a ver surgir estes movimentosnacionalistas que querem independência.É muito interessante esta contradição e acho que vai decidir o futuro da Europa, segundo informação da Notícias TV.

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