Há dez anos no pequeno ecrã, a atriz que dá vida à perturbada Ana da novela da SIC Sol de Inverno afirma sem pudores não ter a ambição de ser protagonista. E revela todos os pormenores das cenas em que a sua personagem se automutila.
Acha que Sol de Inverno vai fazer os mesmos bons resultados da sua antecessora, Dancin"Days?
Com a história que temos, com toda a equipa de produção e realização, acho que sim. Claro que essa pressão não é colocada sobre nós, atores. Não temos de nos preocupar com as audiências, mas fazer um bom trabalho. Viver, vestir as personagens e passar cá para fora a história delas. Mas claro que temos uma herança pesada e que também gostávamos de que esta novela tivesse tão bons ou melhores resultados que Dancin"Days.
Na semana passada vimos a sua personagem a automutilar-se. Que preparação é que foi feita para estas cenas?
Falei com uma psicóloga e procurei saber dados clínicos sobre este distúrbio. Tentei perceber que tipo de pessoas são estas, o que é que as leva a fazer isto, que motivações têm e de que maneira isso tem impacto na vida delas.
Quais são as motivações da Ana?
A Ana é uma pessoa muito controlada e fria. Quando está sob um grande nível de stresse, para se acalmar, para conseguir sentir as emoções como uma pessoa dita normal, mutila-se para conseguir descarregar a dor. Ela tem de transformar a dor emocional em dor física para se acalmar. Houve uma primeira cena em que ela se pica no carro e depois há uma bem maior, que ainda não foi emitida, em que há uma discussão com o filho [Vasco, interpretado por Francisco Monteiro] e ela, para se conseguir acalmar, corta-se com uma tesoura. Só que o miúdo vê a mãe fazer aquilo. Se para qualquer adulto é estranho testemunhar uma cena destas, imagine-se para uma criança...
Foi difícil para si?
Foi, porque não há muita coisa sobre esta patologia. Isto não é uma depressão, não é um sintoma obsessivo-compulsivo, não existe nenhuma nomenclatura específica para isto. Eu já tinha ouvido falar destas situações na adolescência, associadas a casos de anorexia e bulimia. Assim, em casos ditos normais, de pessoas adultas, nunca tinha tido conhecimento. Daí ter recorrido a ajuda médica para construir esta personagem. Depois, eu não fazia a mínima ideia de que a Ana ia sofrer este tipo de distúrbio. Foi um bocadinho assustador quando recebi os primeiros guiões com este distúrbio, fiquei um bocadinho em pânico. Claro que tive a ajuda dos diretores de atores para compor a personagem, para que as pessoas não pensassem que ela é louca, mas sim uma pessoa com um distúrbio que pode ser tratado.
Receia que as cenas em que se automutila, à semelhança do que aconteceu com a cena em que a Andreia [personagem interpretada por Cláudia Vieira] tomou comprimidos para abortar, sejam vistas como um mau exemplo?
Tentamos ser o mais fiéis possível ao que se passa na nossa sociedade. Chamamos a atenção para situações que existem, mas que podem ser tratadas. Não estamos, de modo algum, a incitar quem quer que seja a ter este tipo de atitudes, mas sim que este tipo de problemas existe e tem tratamento. No caso da Cláudia, acho que não fez qualquer sentido a declaração do diretor-geral da Saúde [Francisco George] porque, como ela disse, e muito bem, a cena foi um exemplo do que de mal pode acontecer se se tomar comprimidos abortivos.
Vai haver uma escalada deste tipo de comportamentos da sua personagem?
Vai, sem dúvida! E vai culminar numa determinada situação ainda mais grave. Foi muito complexo fazer essa cena porque este tipo de comportamento não é muito abordado.
A sua personagem tem um percurso próprio, ao contrário do que aconteceu em Rosa Fogo e Perfeito Coração, em que interpretou coadjuvantes das protagonistas. Houve algum momento ao longo da sua carreira em que pensou que ia interpretar sempre o mesmo tipo de personagem?
A única semelhança entre elas terminava aí. Eram a melhor amiga da protagonista, mas depois tinham história própria, que também se cruzava com a da protagonista. Neste caso, não. Não me cruzo minimamente com as protagonistas.
Não respondeu à minha pergunta...
Ah! Não, não tive esse receio. Estive para entrar em Laços de Sangue e a minha personagem ia ser completamente diferente da de Perfeito Coração... só que entretanto descobri que estava grávida.
Qual era a personagem?
É ingrato para a atriz que a fez dizer qual era. Mas era uma personagem muito intensa! Só que engravidei! Foi um feliz acaso. Tinha planeado não demorar muito tempo, mas não tinha planeado ser nessa altura. Mas, respondendo à sua pergunta, nunca tive esse receio. Tinha, sim, vontade de sair do registo da menina boazinha, da personagem politicamente correta. E apareceu agora com a Ana. Está a ser um desafio profissional muito grande.
"Neste momento sou livre para trabalhar em que canal quiser"
Tendo trabalhado na TVI, como é que vê esta mudança de eixo nas audiências, com as novelas das duas estações a competir taco a taco?
Quanto mais concorrência houver e quanto menos linear forem as coisas melhor é para todos. Para o público, para nós, equipa técnica e atores... isso traduz-se numa melhor qualidade de produto. Traduz-se no facto de os portugueses preferirem cada vez mais as novelas nacionais em detrimento das estrangeiras. É bom que não haja uma estagnação de mercado.
O que é que , em 2009, a fez trocar a TVI pela SIC?
Senti que na TVI, como havia muitas pessoas com contrato, estava a haver uma certa estagnação.
Estava com contrato de exclusividade com a TVI?
Estava. Aliás, um dos motivos que me levaram a sair foi a estabilidade financeira. Não vamos ser hipócritas ao ponto de dizer: "Ai, foi por causa da realização profissional." E depois, ao nível da realização profissional, fui das primeiras pessoas a dar esse passo, depois da Cláudia [Vieira] e da Diana [Chaves], de ajudar a ficção da SIC a crescer e de eu também crescer como atriz. Claro que foi uma questão muito ponderada e pensada. Havia sempre o risco de as coisas não correrem bem. Foi um passo que dei e do qual não me arrependo minimamente.
Continua a ter contrato de exclusividade?
Não [risos]! Com grande pena minha.
À semelhança de outros atores, mudou-se para a SIC com a promessa e concretização de um contrato de exclusividade. E agora acabou. Sente que lhe venderam gato por lebre?
Não. Fui para a SIC em 2009, tive contrato até 2012. Fui para a SIC com determinado tempo de contrato, que depois foi alongado. Entretanto, o panorama socioeconómico do nosso país é que deu esta volta e a SIC viu-se com uma questão: a TVI não estava a renovar contratos de exclusividade. Enquanto canal, percebo. Se o outro canal não está a garantir atores, porque é que a SIC há de garantir? Enquanto atriz, tenho pena que isso tenha acontecido. Continuo a vestir a camisola da SIC porque continuo a ter trabalho e continuam a tratar--me bem. Mas neste momento sou livre de trabalhar para onde quiser.
Se a convidassem, ponderaria voltar a fazer novelas na TVI?
Na TVI ou na RTP. Onde quer que houvesse um projeto que achasse aliciante e que me dessem as condições para ser feliz enquanto atriz.
Acha que as saídas de José Eduardo Moniz [ex-diretor-geral da TVI] e Gabriela Sobral [atual diretora de produção nacional da SIC] deixaram a TVI fragilizada?
Acho que sim. Primeiro, com o José Eduardo, que foi sempre uma pessoa que admirei muito. Como comandante, levava o seu barco a bom porto. Segundo, acho que a instabilidade maior surge quando a Gabriela sai. Ela era o braço direito do José Eduardo, é uma pessoa que trabalha neste meio há muitos anos e que sabe para onde quer direcionar as coisas. E está a fazer um excelente trabalho na SIC.
Há muitas pessoas que ainda a recordam como Bá, a personagem que fez na novela da TVI Baía das Mulheres [2004]?
É engraçado perguntar isso porque a RTP Internacional passou recentemente a novela. Recebi mensagens no Facebook, que estão na África do Sul, nos EUA, e que me dizem que acompanharam. É engraçado, é uma história que fiz há dez anos... e é giro ver que devido às repetições ainda há pessoas a falar sobre isso.
Considera que foi a sua personagem mais marcante?
Foi, porque foi a minha estreia. Eu tinha feito, em 2003, uma participação de elenco adicional em Saber Amar. A minha grande oportunidade enquanto atriz surge na Baía das Mulheres. Eu tinha acabado o curso da Oficina de Atores e foi aí que percebi que o que tinha aprendido na representação era o que queria para o meu futuro. E gostei imenso. Fiquei apaixonada pela representação. Era engraçadíssimo porque as pessoas na rua tinham imenso medo de se aproximar por ela ser tão selvagem.
Quando começaram as gravações de Rosa Fogo tinha sido mãe há pouco tempo [a atriz é mãe de Flor, de 2 anos, fruto do relacionamento de longa data com Daniel Teixeira]. Sentiu-se pressionada, mais que não seja por si mesma, para voltar a estar em forma?
[risos] Eu brincava com essa situação. Dizia: "Nunca estive tão em baixo de forma e estou a fazer das personagens mais novas e com mais exigência a nível físico que fiz até hoje." Gostava de ter tido mais tempo de preparação. Estava a amamentar na altura e não podia fazer determinados exercícios... fiz o que era humanamente possível face à minha vida pessoal.
Sentiu algumas inseguranças?
Sim, não tanto por estar em baixo de forma mas porque estava a fazer uma personagem que era uma bailarina profissional e que tinha muitas cenas de dança para as quais eu não estava minimamente preparada. Ou melhor, estava mas minimamente, só.
Acha que há uma pressão sobre as atrizes que são mães para estarem numa forma física ainda melhor do que a que estavam antes de engravidar?
Nós vivemos numa sociedade em que a imagem tem um peso brutal, seja na televisão seja noutra área qualquer. Em televisão, obviamente que se calhar há um peso maior. Primeiro porque a televisão engorda. E depois, dependendo da personagem, tem de haver todo um cuidado. Porque trabalhamos com a imagem, vendemos a imagem. Obviamente, vendemos emoções, sensações, certezas, mas trabalhamos com a imagem. Portanto, há toda essa pressão. Mas nós somos humanos. Não há milagres. Há cirurgias estéticas, há ginásios, há quem tenha mais tempo e se aplique mais, há quem, se calhar, não tenha esse tempo mas seja mais focado para o ginásio, para as dietas, e consiga mais em menos tempo... e depois há pessoas como eu [risos]! Que não gostam de fazer dietas, que adoram ir ao ginásio, mas que são um bocadinho preguiçosas... mas tenho uma genética que ajuda. Tenho quase 36 anos e nunca tive grandes oscilações de peso. Tenho essa vantagem.
Acha que alguma vez será protagonista de uma novela?
Não tenho essa ambição. Já tive, inclusive, convite para isso. Na altura em que esse convite foi feito não quis dar esse passo porque não tinha disponibilidade a nível de tempo. Não vivo com essa pressão. Fazer um protagonista implica muita coisa a nível pessoal que tem de ser ponderada. Na altura em que esse convite foi feito não estavam reunidas as condições para o fazer.
Foi na TVI ou na SIC?
Não vou dizer [risos]. Mas isto para dizer que os protagonistas são os que mais se destacam nas histórias e, como é óbvio, são mais reconhecidos pelo público. Mas todas as personagens são importantes. E até hoje todas as personagens que eu tive tiveram relevância nas histórias.
Um bom ator secundário faz que um menos bom ator principal consiga brilhar?
Claro que sim! As cenas vivem essencialmente de contracenas. Eu posso estar a contracenar com o melhor ator do mundo mas, se ele nesse dia não estiver para aí virado, a cena não vai brilhar. E pode ser uma cena com um figurante que dá tudo e mais alguma coisa e fica uma cena muito boa.
Acha que em algumas novelas os protagonistas são escolhidos não tanto pelas suas capacidades de representação mas sobretudo pela sua popularidade?
Acho que é como em todo o lado. Se uma pessoa for muito popular, vende.
Mas no futebol o jogador mais popular tem de ser necessariamente o melhor.
No futebol [risos]. Numa empresa provavelmente não tem de ser o melhor. Pode conseguir os melhores resultados não sendo o melhor profissional. Nas novelas isso tem tudo que ver com as opções das estações. Ponto final, parágrafo.
Notícias TV
Sem comentários:
Enviar um comentário
Agradecemos o seu comentário! Bem-haja!