Entrevista ao Jornalista Miguel Sousa Tavares - Site SIC GOLD ONLINE – SIC Sempre GOLD

Home Top Ad

Responsive Ads Here

Post Top Ad

21 de setembro de 2014

Entrevista ao Jornalista Miguel Sousa Tavares



O Miguel Sousa Tavares jornalista e comentador do Jornal da Noite às segundas-feiras na SIC, deu uma entrevista esta semana segundo a revista Notícias TV.

Veja em seguida a entrevista completa.



Sabe que não deixa ninguém indiferente e que tem uma imagem de arrogância colada a si. Não foge às polémicas porque esse é o seu trabalho, embora a idade lhe tenha feito perder a paciência para "discutir com gente estúpida". O mundo, a política, as causas, o jornalismo, os livros e a vida aos olhos de Miguel Sousa Tavares.




O que é mais fácil acontecer consigo: vê-lo passar férias em Albufeira, vê-lo abrir uma conta no Facebook ou almoçar com o presidente do Benfica?


[risos] Ah, seguramente almoçar com o Luís Filipe Vieira. Dou-me muito bem com ele. Ainda há pouco tempo almocei com ele.

No Estádio da Luz, na Catedral? E não, não é provocação de benfiquista para portista. Há mesmo lá um restaurante com esse nome...

Não, isso já é pedir de mais [risos].

Portanto, definitivamente, vê-lo abrir uma conta no Facebook é tarefa seguramente mais difícil.

Para não dizer impossível. Não percebo o interesse daquela coisa. E digo-lhe: vocês ainda não viram nada.

Isso é quase uma profecia.

Não é uma profecia. O Facebook é um perigo. Além disso, não percebo o interesse de pôr a nossa vida toda no Facebook. O que fazemos, o que gostamos, o que não gostamos, o que pensamos, o que jantamos, se fomos à casa de banho. Não percebo o interesse e a utilidade.

Não teve um diário em criança?

Tive, mas era privado. Ora o Facebook é público. É um convite à devassa da vida privada. E não percebo que haja gente que goste que invadam a sua vida privada.

Há definições de privacidade. O Miguel só vê o que eu coloco se eu quiser...

Não quero, não quero [risos].

Ao longo dos anos, conhecemos-lhe opiniões fortes: a defesa pelo direito de fumar, as críticas violentas ao crescimento anárquico do Algarve, a defesa do seu FC Porto, as críticas que faz a Cavaco e a Durão Barroso, de quem diz não ter a mínima consideração política. Dá-lhe gozo criar polémica?

[pausa] Não diria que me dê gozo...

... além de ser pago para isso.

[risos] Sim, isso também é verdade. Esta é a minha profissão, eu sou uma espécie de testemunha dos acontecimentos, portanto, é natural que não fuja às polémicas. Elas fazem parte da vida. Um crítico deve ir contra a corrente, deve suscitar a reflexão naqueles que leem e que veem. É também isso que os leitores doExpresso e os espectadores da SIC esperam de mim, que eu seja capaz de ter opiniões fortes, que diga aquilo que penso. E, no limite, sim, é por isso que me pagam.

Para si, um cronista brando não é um bom cronista?

Não quer dizer que não seja um bom cronista, mas ter opinião significa correr riscos. E correr riscos significa fazer inimizades. Eu conheço vários cronistas que em 30 anos nunca fizeram inimizades, nunca arranjaram problemas com ninguém. Por outras palavras, nunca atingiram qualquer interesse. Isso para mim não faz sentido. Porque não correr riscos, não atingir interesses, viola o meu contrato com os leitores e os espectadores. E, portanto, há que ter chatices, há que perceber que é normal haver pessoas que nos deixam de falar.

No seu caso, calculo, não lhe faltam inimigos de estimação.

[sorriso] Tenho alguns, sim. Faz parte da vida.

São inimizades irreversíveis?

Em alguns casos, não tenho a menor dúvida de que sim. Pessoas como Armando Vara nunca mais me falarão. Nem eu a elas. Às vezes, não tem tanto que ver com o que eu digo, mas com o carácter das pessoas. Manifestamente, nesse caso, não vivemos no mesmo planeta. Mas há imensa gente que não vive no mesmo planeta que eu e isso não significa que tente enfrentar todos.

Em que planeta é que vive? Sente-se uma espécie de Robin dos Bosques...

[interrompe]... Não, não, não, não gosto nada dessas etiquetas. Mas vivo num planeta de liberdade. Gosto de ter essa liberdade.

Quando é que a conquistou? Ou, pelo menos, quando é que tem consciência de a ter conquistado?

Foi nos jesuítas, onde estudei aos 8 anos, onde aprendi o direito de discordar, de revoltar-me de forma salutar.

Portanto, essa liberdade não se conquista com a independência financeira? As pessoas tendem a achar que a liberdade financeira propicia liberdade de pensamento.

Com certeza que ajuda, seria uma hipocrisia negar isso.

"Não sou o tipo de gajo que vai despejar o balde de gelo para contribuir para a doença não sei das quantas"

Continua a ser um homem de causas, de pessoas?

Sim, sou, embora haja um certo exagero nessa ideia de ser um homem de causas. Eu não sou propriamente o tipo de gajo que vai subscrever todas as petições na internet. Aliás, devo ter subscrito uma ou duas. Não sou o tipo de gajo que vai despejar o balde de gelo para contribuir para a doença não sei das quantas.

Não foi desafiado, claro... não tem Facebook.

[risos] Pois, não podia ser. Aí está uma coisa que eu nunca faria, deitar um balde de gelo pela cabeça abaixo. Há causas públicas que eu alimento e que alimentei ao longo da minha vida, mas não vou a todas. Há muita gente que me pede que dê a cara por isto e por aquilo, mas eu não aceito. Não estou para aí virado. E há um tempo para tudo. Já estou um bocado farto de ser o único índio que avança quando é preciso discutir a liberdade dos fumadores [risos]. Até parece que não há mais ninguém que fume em Portugal.

Que ideia é que julga que as pessoas têm de si?

[pausa] Não sei bem, mas tenho a impressão de que uns são capazes de achar muito bem e outros capazes de achar muito mal. Não deve haver meio-termo.

O Miguel não é indiferente a ninguém: há aqueles que o seguem fielmente e os que não o suportam.

Sim, é verdade. Às vezes bem gostava de ser indiferente para muita gente. De passar indiferente no meio da rua. De ir ao mercado e de não ter as pessoas a olhar para mim. Às vezes gostava disso. Mas sei que é tarde.

Há quem lhe cole uma ideia de arrogância. Gosta dessa ideia? Cultiva esse distanciamento ou, não sendo uma coisa assumida, acabou por ser assim?

Acho que a verdade está aí. Ambas as coisas são verdadeiras. Há muita gente que tem a ideia de que sou arrogante e é verdade que sinto que transmito essa ideia. Mas não é uma coisa que tenha sido pensada. Foi um mecanismo de defesa, que começou quando comecei a fazer televisão e quando deixei de ser uma figura anónima.

A perda de privacidade foi a fatura a pagar por essa vontade de fazer televisão?

Foi, claramente. Sei que muita gente diz isto, mas a privacidade, para mim, é um dos valores que mais prezo. E quando tive oportunidade de fazer uma coisa que me fascinava, que era televisão, criei mecanismos de defesa. Até mecanismos físicos: por exemplo, entro num café e não olho para ninguém, ou vou a olhar para o chão para ver se as pessoas não me reconhecem. Há gente que tende a achar isso como um gesto de arrogância, um tique de vedetismo, mas não, é apenas uma forma de tentar passar incólume entre os outros.

Não consegue passar incólume no futebol. Vai ao estádio?

Vou, vou. Amanhã [quarta-feira passada, dia em que a entrevista foi feita] vou ver a estreia do FC Porto na Liga dos Campeões. E não, não passo incólume no estádio. Nem no estádio nem em lado nenhum.

Isso num estádio pode ser um incómodo...

[risos] Não, porque eu porto-me bem. Não chamo nomes ao árbitro. Consigo controlar-me, mesmo sabendo que o futebol pertence ao nosso domínio do irracional. Mas gosto muito de futebol. Gosto muito de ver futebol. De ver o jogo. Gosto de admirar a beleza do jogo.

Mesmo que essa beleza venha de um adversário do FC Porto?

Mesmo que essa beleza venha de um adversário do FC Porto, sim.

O pior do futebol são os dirigentes?

Indiscutivelmente.

Independentemente das razões substantivas que assistem a cada uma das partes, magoa-o que o processo que está a decorrer contra si em tribunal, no que toca a futebol, tenha sido movido pelo FC Porto?

Não confundir o FC Porto com a SAD do FC Porto. Mas é evidente que me entristece. E é fácil perceber porquê. Ao longo dos anos, sempre dei a cara pelo meu clube, sempre defendi os interesses do FC Porto. Ainda por cima, quando é preciso um portista, eles têm de vir todos do Porto, e cá estou eu pronto a avançar. Quem primeiro, e quase solitariamente, empunhou a bandeira do FC Porto em Lisboa fui eu. Isso é um facto, não é opinião.



"A maior ameaça do jornalismo é o público"

O jornalismo ainda é o quarto poder, como muitos defendem?

[pausa] Não sei, é daquelas discussões teóricas que francamente não sei ter. Se é o quarto poder, se é contrapoder, não consigo elaborar sobre isso. Mas na génese vejo-o mais como contrapoder do que como poder. Se deixar de o ser, perde a sua inocência. E essa é a sua essência.

Ainda há inocência no jornalismo?

Há, mas que as ameaças sobre o jornalismo são enormes e permanentes, é verdade.

Que ameaças são essas?

A maior de todas é o público. Porque cada vez há menos público para o jornalismo de qualidade e porque cada vez mais o público percebe menos a importância do jornalista numa sociedade democrática.

E isso acontece porque o mundo mudou e era inevitável que isso acontecesse, ou por incompetência nossa?

[pausa] O mundo mudou e não há volta a dar. Já tenho assistido a algumas conferências, até lá fora, sobre o futuro do jornalismo e ninguém tem uma resposta sobre isso. Por exemplo, a questão da informação instantânea nas redes sociais e dos smartphones é uma incógnita. Como é que se concorre contra isso? Se se concorre pela qualidade, não há público hoje para um jornalismo de qualidade. O jornalismo de qualidade é caro, custa dinheiro porque envolve investigação e tempo. Repare, Nuno: esta geração não tem miúdos a ler jornais. Mas tem muitos miúdos a olhar para o telemóvel para receber informação. Nunca tantos souberam tão pouco sobre tanta coisa. Ao meio-dia, os miúdos já estão informados sobre tudo, mas só sabem os títulos. São capazes de saber que morreu o líder espiritual do Irão, mas depois não são capazes de perceber a importância disso.

Isso é uma irreversibilidade?

Acho que é. É muito difícil combater uma informação minimalista instantânea não elaborada, não trabalhada e não feita por profissionais.

Há 35 anos, teve de responder a uma pergunta para ser estagiário num jornal...

[sorriso] ... Qual era a pergunta?

Era uma pergunta sobre a guerra entre o Paquistão e o Bangladesh.

[risos] Isso foi aqui ao lado, n"A Luta. Éramos três candidatos a estagiários para a secção internacional e isso foi uma espécie de exame para entrar. Eu respondi e fiquei com o lugar.

Hoje nenhum estagiário tem de responder a perguntas dessas para entrar numa redação...

Pois não, mas repare, eu tive a sorte de viver numa época de ouro do jornalismo. Primeiro, porque a liberdade de informação ainda era uma coisa nova e estava tudo a aprender. Depois, porque tinha chegado ao jornalismo uma geração de gente muito bem preparada, que sabia falar inglês e que, de certa forma, estava a inventar uma forma de fazer jornalismo e televisão. Havia uma só estação de televisão, que funcionava, que tinha meios e que tinha o luxo de poder fazer grandes reportagens. Nós tínhamos três meses para fazer uma grande reportagem: desde a preparação, a filmagem, a montagem, eram três meses. Hoje isso é impossível. É insustentável. Mas foi uma enorme escola de jornalismo. Havia uma total liberdade para fazer as coisas, não havia ameaças. Nem as audiências, nem os anunciantes, nem nada disso. A censura de hoje é muito mais perigosa que a de antigamente.

Mais elaborada, mais subliminar, mais difícil de combater?

Precisamente.

O que é que mudou mais no jornalismo? Perdeu-se a tal inocência?

Eu distingo claramente entre a televisão e a imprensa. No caso da imprensa, e apesar de haver hoje muito poucos títulos, acho que a qualidade é maior. A informação é menos manipulada, é mais bem trabalhada. Na televisão andou-se para trás. Lamento dizer isto aos meus colegas e amigos que trabalham em televisão, mas se hoje fosse possível haver os telejornais do Informação 2, eles teriam um baque.

Porquê?

Porque se faziam telejornais respeitando apenas os critérios editoriais, nada mais. Não era o interesse do público, era o interesse público que estava em causa. As pessoas não eram guiadas pelas audiências. Ali fazia-se jornalismo.

Os próprios alinhamentos mudaram por completo.

Sim, já para não falar disso. Hoje fazem-se coisas verdadeiramente impensáveis. Hoje, abre-se um noticiário com a banca, depois mete-se um crime não sei de onde, depois volta-se à banca. É completamente flutuante. Que eu perceba, não há qualquer critério editorial. A gestão é completamente casuística, ao minuto.

É possível ser de outra forma e não morrer?

Essa é a pergunta para a qual toda a gente procura resposta. E não só cá em Portugal. Eu percebo a lógica comercial e que é difícil sobreviver num mercado em que as receitas e o público são um bem cada vez mais escasso. Mas tenho pena que não se tente fazer uma informação em que o critério seja unicamente a qualidade.

Sobreviveria?

Se não se tentar não saberemos, Nuno. Lembro-me de dizer isso ao Emídio Rangel no tempo em que a SIC chegou aos 50% de share. Eu falava-lhe de programas que tinha visto lá fora e ele dizia sempre que isso cá não resultava. Porque, às tantas, isto das audiências é um bocadinho como os milionários: quem tem cinco mil quer sempre ter dez mil. Queremos sempre mais e mais.

Sente que tem mais poder hoje como comentador ou quando exercia a sua atividade como jornalista no terreno?

[pausa] Não sei se tenho mais poder, sei que sou mais útil. E sai muito mais barato para as televisões ter um tipo a comentar do que ter o mesmo tipo a fazer reportagens e jornalismo de investigação.

Quando voltou à SIC em 2010 ainda fez Sinais de Fogo.

Sim, mas em boa verdade a SIC queria ter-me lá mas não sabia muito bem o que queria fazer comigo [risos]. E fui eu que sugeri fazer o Sinais de Fogo durante o verão. Acabámos depois por optar por esta solução do comentário, que ainda por cima é moda. Todos os jornais têm comentadores. É uma questão de moda. Amanhã já não será assim.

O quê? Está a dizer-me que Marcelo Rebelo de Sousa não é eterno?

[risos] Não, pelas últimas informações de que disponho, não creio.

Mas sente que tem poder e capacidade de influência. O que pensa, o que diz, o que escreve, seja na SIC seja no Expresso, não deixa ninguém indiferente.

Sim, sei que sim. É evidente que há pessoas que se preocupam mais comigo, ou que têm mais medo de mim agora do que quando eu era diretor da Grande Reportagem.

Sorri com essa ideia de impor medo a algumas pessoas?

Sorrio. Não é medo físico, mas o receio de saberem "o que é que este tipo vai escrever neste sábado"?

Acha que é, mutatis mutandis, um medo idêntico ao que, diz-se, os ministros de Cavaco Silva sentiam à quinta-feira à noite perante a perspetiva de mais uma capa de O Independente no dia seguinte?

[pausa] Não é bem a mesma coisa. Os tempos são outros. Mas convivo bem com isso. Não é uma coisa que me dê gozo, mas tenho consciência de que posso causar danos políticos e efeitos indesejados a algumas pessoas. Mas, atenção, a mim não me dá gozo nenhum exercer o poder.

O que é que lhe dá gozo?

Que no dia seguinte as pessoas me digam "tiraste-me as palavras da boca", ou "ainda bem que alguém escreveu o que eu penso". Aí sinto que cumpri a minha função. É para isso que me pagam. Para ter opinião, não para fugir da opinião. É uma maneira de ganhar a vida como outra qualquer [risos].

Os tempos de O Independente são irrepetíveis? Perguntado de outra forma: numa sociedade como a de hoje, muito mais escrutinada do que a de há 25 anos, é possível e é desejável o nascimento de um fenómeno como O Independente?

Igual, igual, acho que não. Precisamente por isso, porque o escrutínio público é hoje muito maior. Faço parte daqueles que saudaram o aparecimento de O Independente, apesar de todos os excessos que foram cometidos. Mas aquilo foi verdadeiramente uma pedrada no charco, pela irreverência, pela linguagem, pelas causas, pelo contrapoder. Não sei se é repetível, mas é capaz de não ser inimaginável a possibilidade de aparecer um produto jornalístico completamente novo, capaz de romper com as lógicas existentes.

Não está tudo inventado?

Não, não está tudo inventado.

Portanto, acredita que pode aparecer por aí um Marinho e Pinto dos jornais para agitar o sistema?

[risos] Não sei o que isso pode significar. Apenas conheço um Marinho e Pinto. Foi um bom bastonário da Ordem dos Advogados. Quando falo na possibilidade de aparecer algo novo não estou a pensar em algo iconoclasta. Estou a pensar em algo com uma linguagem completamente nova, com abordagens diferentes, que seja atrativo, que chame novas pessoas, que seja capaz de captar novos públicos.

Há mercado para um jornal desses? O i não nasceu com esse objetivo? Repare, estamos num país onde os dois jornais de referência vendem juntos 35 mil exemplares. Há 15 anos vendiam 100 mil.

[pausa] Pois é, tudo o que está a dizer é verdade. E não é um exclusivo português. Mas, por cá, a questão é mais dramática. As pessoas estão formatadas para o que vende, para o Correio da Manhã. Por mais inacreditável que eu ache, mas é aquilo que se lê exatamente porque tem pouco para ler, as notícias não têm mais de 20 linhas. Não sei se iremos a tempo ou não de corrigir esta disfunção. Mas uma coisa sei: não é imitando os tabloides que a imprensa de referência recupera público. Não acredito nisso. Provavelmente, o papel por si só não será um negócio muito rentável, mas é capaz de haver um nicho de mercado de tipos que gostam de ler jornais de referência em papel, onde aliás me incluo.

"Não me importava de ser ministro do ambiente durante seis meses"

Falávamos há pouco de poder. O poder pelo poder não o atrai? O poder executivo, por exemplo?

[Prontamente] Não, não. Fui convidado para ser deputado duas ou três vezes, mas recusei sempre. Não tenho o mínimo perfil, a mínima paciência. Mas não me importava de ser ministro do Ambiente durante seis meses.

Durante seis meses? Mas para quê? Para implodir o litoral algarvio como se implodiram as torres da Torralta, em Troia, em 2006?

[risos] Não, nada disso. Apenas para blindar a legislação para o futuro. Acho que não chegava ao fim do meu mandato de seis meses.

Não aguentava?

Davam-me um tiro antes [gargalhada]. Mas se legalmente pudesse implodir tudo, não teria a menor dúvida.

Menos Lagos, o único Algarve a que pode chamar "seu". Ser presidente da Câmara de Lagos é apenas uma ideia romântica ou pode ser algo mais do que isso?

[sorriso] Há uns anos, umas pessoas vieram falar-me nisso e até achei a ideia interessante. Fiquei de pensar no assunto, mas depois passou--me. É o tipo de trabalho que gostaria de fazer, porque é possível fazer alguma coisa. Ao contrario da administração central, em que a máquina emperra e nos frustra a paciência, nas autarquias acredito que é possível trabalhar.

Caso venha a aceitar concorrer à Câmara de Lagos...

... Mas não vou, mas não vou... [risos]

Pronto, mas não me estrague o encadeamento para as perguntas seguintes [gargalhada]... Estes anos todos na televisão, e a notoriedade que ganhou com a exposição pública, ajudariam para a campanha.

Admito que sim. Mas ajudaria mais o facto de as pessoas saberem que vou para lá há quase 50 anos, de me verem todos os dias na praia, no café, no mercado. Não sou propriamente um gajo que tem uma casa lá e que ninguém vê.

Na televisão já se fizeram dois primeiros-ministros, Santana Lopes e José Sócrates.

É verdade, e tive-os juntos num programa.

Rangel tinha mesmo razão quando dizia que uma televisão com 50% de share tanto pode vender presidentes da República como sabonetes?

[pausa] Não sei se a frase do Rangel tinha um sentido tão literal assim quando a proferiu. Mas de certa forma sim, sobretudo naquele contexto, a frase tinha um certo fundo de verdade.

Aqueles anos na SIC, o Terça à Noite, o Crossfire, o Jornal da Noite que apresentou ao domingo... foram os anos mais exaltantes da sua carreira?

Foram anos muito exaltantes da minha carreira, sim. Não lhe consigo dizer se foram os mais exaltantes porque as grandes reportagens da RTP também foram. Mas esses anos na SIC foram entusiasmantes, sobretudo para quem vinha de dez anos na televisão pública. Há uma coisa que não esqueço: eu vinha de uma repartição pública chamada RTP, emprateleirado da RTP2 onde tinha estado nos últimos anos. E quando entrava no estúdio para fazer o Terça à Noite, os câmaras e os assistentes diziam-me sempre: "Força, Miguel! Vai correr bem." Isso marcou-me muito. Nunca me tinham dito aquilo na RTP. Havia ali um fortíssimo espírito de equipa.

O país soube agradecer em vida a Emídio Rangel?

[pausa] É sempre uma questão muito discutível. Mas pelo menos percebeu-se agora, quando ele morreu, que o país tinha um grande respeito pelo Emídio. Não achou que tinha sido mais um a passar por aqui. E isso, apesar de tudo, é reconfortante para quem trabalhou com ele, para quem era amigo dele.

Eu sei que a pergunta é ingrata, até porque trabalhou com ambos: é possível, é justo, comparar Rangel e Moniz?

Têm muitas coisas em comum. Desde logo o facto de serem dois workaholics. Duas pessoas muito determinadas, quase obsessivas. Quando estão convencidos de que têm razão vão em frente e não ouvem quase ninguém. Eles são muito parecidos. Acho que o Emídio tinha o sentido jornalístico mais apurado do que o José Eduardo Moniz. O Moniz, se você quiser, talvez seja melhor programador, mas o instinto jornalístico estava do lado do Emídio. O Moniz não é uma pessoa fria, só aparentemente, mas o Rangel era mais emotivo.

"As pessoas falam do serviço público de televisão como quem fala do serviço nacional de saúde"

O serviço público de televisão é definível, ou é um bocado como a Ota, que andamos há 30 anos a discuti-la e não há meio de chegarmos a uma conclusão?

[risos] É isso mesmo. Bela comparação!

O Miguel fez parte de um grupo de trabalho que, em 2002, a pedido do então ministro Morais Sarmento, refletiu sobre o serviço público de televisão e sobre o papel da RTP. O que foi feito a esse trabalho?

Que eu saiba, não saiu da gaveta. Depois dessa, já nomearam mais duas comissões para estudar a mesma coisa. Nunca mais me apanham numa coisa dessas. Estraguei o verão de 2002 e depois ficou tudo na gaveta. Em Inglaterra você nomeia uma comissão de estudo e as conclusões são para ser seguidas obrigatoriamente. Cá não. Vão para a gaveta.

Então, ajude-me lá: consegue definir-me o que é isso do serviço público de televisão?

Eu acho que é mais um wishful thinking do que outra coisa qualquer. Fica bem as pessoas dizerem que querem um serviço público de televisão como se fosse o Serviço Nacional de Saúde. Só que uma coisa é mensurável e a outra não. O serviço público de televisão é uma coisa um bocadinho vaga, cabe lá tudo e mais alguma coisa. Nessa comissão, em 2002, nós tentámos fazer um exercício minimalista: no mínimo, o serviço público deve ser isto, isto e isto, e no máximo deve ser isto, isto e isto.

Doze anos depois, então o que deve ser o serviço público no mínimo e no máximo?

Olhe, acho que podia fazer-se a experiência de produzir uma televisão assente unicamente em critérios de qualidade. Mas as pessoas têm de perceber uma coisa: o serviço público de qualidade custa dinheiro. Não podemos exigir um serviço público de qualidade e que depois ele seja grátis para os contribuintes. Não é possível.

Não é uma contradição insanável?

Claro que sim. A primeira pergunta que você faria aos portugueses era: "Querem um serviço público de qualidade?" As pessoas respondiam: "Queremos." A segunda pergunta era: "Querem pagar mais por ele?" As pessoas respondiam: "Não!" Ora isto é impossível e é preciso perceber esta impossibilidade. A solução é perguntar: "Quanto custa?" "Ah, custa x." "Podemos pagar?" "Podemos". "Então com esse valor x o que é que é possível fazer?"

Ao longo do tempo que está no Governo a coligação já defendeu a alienação da RTP, já ponderou a concessão, já decidiu não vender e deixar tudo como está. Já se decidiu por um só canal e a suspensão da segunda frequência, já optou por dois canais. Já disse que ficaria com uma só antena internacional, afinal mantém as duas. Foi uma espécie de navegação à vista?

[risos] Pois, pelos vistos. É uma coisa espantosa. Olhe, uma coisa que nunca mudou foi a RTP Internacional. Quando a gente vê aquilo, é uma vergonha. E a RTP África é inacreditável. Na comissão de 2002, propus que se fechasse a RTP África.

Mas não acha que a RTP África é fundamental para a afirmação de Portugal no contexto da lusofonia?

Nuno, eu conheço muitos países que têm canais de televisão públicos para propaganda do próprio país para África. Agora, ao contrário, fazer a propaganda dos países africanos cá, paga com o nosso dinheiro, isso nunca tinha visto.

É isso que acontece?

É. Ou pelo menos era. Devo dizer que eu já não vejo a RTP África há algum tempo, mas ainda recentemente era assim. Aliás, eu vejo pouquíssima televisão.

Acha que bastaria uma antena internacional?

Claro que sim. Aliás, o mesmo se passa internamente.

Defende um só canal nacional?

Sim. Acho que a existência de dois canais públicos tem sido uma grande desculpa para não se apostar na qualidade. Porque assim a RTP1 diz sempre que para a qualidade tem a RTP2. Acho que é possível e não é assim tão complicado fazer uma grelha de programas coerente num só canal, que tenha qualidade e que preste serviço público.

E teria público?

Teria o público que quer ver uma televisão diferente das existentes. E garanto-lhe que era possível fazer uma grelha e um canal que se distinguiria facilmente dos restantes. Qualquer pessoa bem-intencionada, e percebendo o que é a televisão, tem obrigação de fazer um canal que se distinga das privadas.

E a questão das audiências seria absolutamente desprezível para esse operador público? Miguel Relvas, quando ainda era ministro, deixou sempre uma fasquia: a ideia de que o governo queria uma televisão que não fosse irrelevante.

[pausa] A questão das audiências não seria absolutamente desprezível. Agora, se você cria uma televisão, tem de ter objetivos mínimos. Eu percebo quando o Alberto da Ponte diz que a RTP quer ter 20% de share no próximo ano. Mas não se pode colocar a questão das audiências à frente de tudo. Primeiro, a qualidade. E vamos ver se a audiência vem ou não vem.

E se não vier?

Pronto, se não vier, o que é que se faz? No limite acaba-se com a estação pública.

Não é um dogmático nessa questão do serviço público.

Não, não sou.

É preferível ter uma televisão com apenas 7 ou 8% de share mas que faça completamente diferente das privadas?

Claro, como a PBS nos Estados Unidos.

São realidades muito diferentes.

Sim, são, mas se não for isso, qual é a razão de existência das televisões públicas? É concorrer no mesmo mercado das privadas? Então para isso não recebem dotação pública. A RTP está favorecida: recebe dinheiro dos contribuintes, através da Contribuição Audiovisual e tem publicidade. E mesmo assim perde o combate.

É difícil esta quadratura do círculo.

É uma pescadinha de rabo na boca. Se não há público, não há publicidade e portanto perde o sentido da sua existência. Se tem publicidade e público, ela não é de qualidade, então também não faz sentido que exista. É preciso tirar o rabo da boca da pescadinha.

O Conselho Geral Independente pode ser essa forma de tirar o rabo da boca da pescadinha?

Vamos lá ver o que é que dá. O conceito é decalcado da BBC e eu percebo-o. A questão é saber se não vai colidir com o Conselho de Administração ou com o Conselho de Opinião.

Há quem diga que o problema da RTP nunca foi a falta de escrutínio. A empresa responde perante os deputados da Assembleia da República, perante a tutela, perante a ERC, perante o Conselho de Opinião, perante o Conselho de Redação, perante uma vintena de sindicatos...

[sorriso] Sim, não me parece que haja falta de escrutínio público na RTP. A minha dúvida é se com este CGI, a administração da RTP não fica transformada numa espécie de comissão de gestão.

Acha que o Conselho Geral Independente consegue o objetivo do ministro Poiares Maduro, que é deixar de se contestar permanentemente a independência da RTP, ou acha que isso é impossível?

Acho que o modelo está bem pensado, em princípio pode funcionar, até porque funcionou na BBC, não esquecendo, porém, que eles são ingleses e nós portugueses e isso faz alguma diferença [risos]...

O anátema da intervenção do poder político, qualquer que ele seja, na RTP não vai existir sempre?

Acho que sim. Mesmo que a ideia não seja justa. Para lhe dizer com toda a sinceridade, estou convencido de que nos dias de hoje o governo não intervém na RTP. Mas atenção, também é preciso distinguir o que é intervir e o que não é intervir. O governo pode ter a sua opinião sobre a informação da RTP. O ministro pode encontrar o Alberto da Ponte e dizer-lhe "o seu Telejornal anda completamente faccioso contra nós". Eu não acho que isso seja uma ingerência. É uma coisa completamente legítima, normal, que acontece na vida de qualquer pessoa. O que é importante é que quem está lá do lado da RTP, sobretudo nas áreas editoriais, saiba resistir.

Durante muitos anos falou-se de uma espécie de telefone vermelho que ligava a presidência do Conselho de Ministros à então 5 de Outubro. Lembra-se disso? Meados da década de 80, início da década de 90, governos de Cavaco Silva. O Miguel andava por lá. Alguma vez viu esse telefone?

[risos] Eu sou do tempo em que o alinhamento do Telejornal da RTP era decidido e enviado por fax para o gabinete do ministro da tutela, cujo nome não pronunciarei [risos].

Não pronunciará?

[risos] Não, um ministro cujo nome não pronunciarei.

Hoje comentador... também na SIC [Marques Mendes foi secretário de Estado do ministro adjunto entre 1985 e 1987, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e ministro adjunto do primeiro-ministro dos governos maioritários de Cavaco Silva, sempre com a pasta da comunicação social]

[sorriso] É você que o está a dizer.

A tentação de controlar a comunicação social é irresistível por parte do poder?

Acho que sim e qualquer jornalista tem de estar preparado para isso. Não vale a pena sair por aí a gritar, como o Mário Crespo, "ai-jesus, ai-jesus que me querem violar!" Qualquer jornalista passou por isso, qualquer jornalista tem obrigação de saber funcionar com isso e não é preciso sair para a praça pública a gritar que se é um mártir da liberdade de imprensa. É ridículo.

São as regras do jogo?

São, são. Mas há pior. Nós nunca falamos das relações entre os dirigentes e os jornalistas desportivos. São muito mais promíscuas. De total submissão, praticamente. Os dirigentes desportivos acham-se sempre uns reis. E os jornalistas contribuem para isso. Veja: o presidente do Sporting é tratado como se fosse uma sumidade deste país, um gestor brilhante. Praticamente um intelectual. E eu pergunto: o que é que ele geriu antes? Com que resultados? Se ele estivesse na política já tinha sido escrutinado de cima abaixo e cada vez que dá aquelas conferências de imprensa tinha sido criticado violentamente. Como é presidente do Sporting, não, tem um estatuto de imunidade. E o presidente do FC Porto é igual e o do Benfica é igual. São todos iguais.

"A maledicência sem critério é uma prática generalizada em Portugal"

Disse uma coisa aí que me parece interessante: se Bruno de Carvalho estivesse na política já tinha sido escrutinado de cima abaixo. É por isso que defende que os governantes têm o pior trabalho do mundo? Porquê? É um trabalho muito mal pago?

Também. É verdade. Governar os portugueses é o pior trabalho do mundo. E, sim, os políticos são mal pagos.

É um terreno perigoso porque é um assunto difícil, politicamente incorreto, onde há uma grande dose de hipocrisia.

Concordo consigo, e muito com a conivência dos jornalistas.

Acredito que sim, mas acha que alguma vez haverá condições para os portugueses poderem perceber, e concordar consigo, essa ideia de que os políticos são mal pagos?

[pausa] Acho que não. Muito francamente, acho que não. Mas isso não pode deixar de ser dito. Os políticos em Portugal são muito mal pagos. Não têm fins de semana, não têm férias, não têm vida privada, ganham muito menos na vida pública do que na privada, são constantemente enxovalhados. Na opinião pública portuguesa, político é igual a corrupto. Não há dúvidas. E é nesse sentido que digo que governar os portugueses deve ser a pior tarefa que alguém pode ter.

Há muita gente que não o acha?

Eu sei que há muita gente cuja ambição é fazer carreira política e acho isso completamente legítimo. É a sua profissão. Mas não consigo perceber. As compensações são tão poucas em função do que se perde e do que se gasta, que não faz sentido. Se eu fosse primeiro-ministro, por exemplo, pagaria muitíssimo bem aos tipos que têm obrigação de cobrar impostos.

Paulo Macedo, hoje ministro da Saúde, foi diretor-geral dos Impostos no tempo de Manuela Ferreira Leite como ministra das Finanças e não faltaram críticas ao seu ordenado...

Pois, caiu-lhe tudo em cima, mas ele fez um brilhantíssimo trabalho ali. Agora, não é possível ir à banca buscar alguém a ganhar 20 ou 25 mil euros por mês e pagar-lhe cinco mil e esperar que o tipo fique todo contente só porque está no serviço público.

A degradação da classe política passa fundamentalmente por aí?

Passa. É uma consequência disso mesmo. Os bons foram-se afastando da política porque sabem que é um trabalho mal pago, mal compensado e altamente perigoso. É evidente que há maus políticos. É evidente que há tipos sérios e tipos desonestos. Mas isso não há só na política, há em todas as atividades do mundo. Mas a política começa a ser um espaço infrequentável por pessoas que são sérias, que têm valor profissional e que não estão para aquilo. Eu preferia ir para o fundo de desemprego do que governante de Portugal. Palavra de honra.

Acha que é possível alguma vez mudar a perceção pública que os portugueses têm dos seus políticos?

Não, acho que não. A maledicência sem critério é uma prática generalizada em Portugal. Infelizmente. As pessoas quando não gostam de alguém são incapazes de reconhecer que essa pessoa subiu por mérito. E nivelam tudo por igual. Mas isto é um círculo vicioso. Se não queremos pagar melhores políticos, não teremos melhores políticos.

É possível ganhar eleições sem mentir ou pelo menos omitir alguma coisa nas campanhas eleitorais?

[pausa] Sem mentir, talvez. Sem omitir é muito difícil. Eu imagino que se alguém que se candidate às próximas legislativas apresentar um programa com sete ou oito pontos, que me parecem fundamentais para este país, perde as eleições. Não pode ganhar. Não pode. As pessoas só votam em quem lhes dá boas notícias. Ou em quem, pelo menos, não lhes dá más notícias.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Agradecemos o seu comentário! Bem-haja!

ATENÇÃO: ESTE É UM ESPAÇO PÚBLICO E MODERADO. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.

Deixe um comentário na caixa do facebook!

Post Bottom Ad

Páginas