Entrevista à atriz Maria João Luís: "Sou um bicho raro na representação" - Site SIC GOLD ONLINE – SIC Sempre GOLD

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21 de setembro de 2013

Entrevista à atriz Maria João Luís: "Sou um bicho raro na representação"



Na hora do regresso à televisão como protagonista de "Sol de Inverno", levámos a atriz até à Rua Augusta, onde cresceu. Feliz com o projeto, faz um balanço sobre a sua carreira, recorda a infância e diz não ter receio das marcas da idade.

Estamos na Rua Augusta, em Lisboa, um local que lhe é muito familiar...

É verdade. É o coração desta cidade. Amo Lisboa. Gosto muito mais de viver no campo, mas gosto muito desta cidade, porque me deu muito. Vim estudar para cá e na altura fazia o circuito da Alameda até Santa Apolónia, de Santa Apolónia até Alcântara e de Alcântara até ao Chiado. Adorava o Chiado, a zona dos artistas, onde nos encontrávamos.


Esta continua a ser a sua Lisboa?

Continua. Há sempre a ideia de que é a minha cidade, a minha gente, o meu povo, mas ao mesmo tempo podia estar noutra cidade qualquer, porque são tantos turistas, tantas pessoas que passam, e isso agrada-me. É esse lado da cidade de que gosto muito. E depois os habitantes da Rua Augusta, do Chiado, dos Restauradores, da Avenida da Liberdade, são poucos. Não há muita gente a viver aqui.

São mais superfícies comerciais.

Exatamente. Mas quando cá vivi, a Rua Augusta era uma aldeia. Chegávamos às sete da noite, as pessoas saíam para os últimos barcos, as lojas fechavam e agora já não, porque dinamizaram muito a zona. O meu cão andava solto. Algo impensável! Só numa aldeia é que podemos fazer isto [risos].

Apesar de ter nascido em Lisboa, mudou-se cedo para o Ribatejo.

É verdade, nasci na Maternidade Alfredo da Costa, mas fui muito cedo para Vila Franca de Xira, onde os meus pais viviam, e depois para Alhandra, onde passei a minha infância.

Como era o Ribatejo nessa altura?

Muito diferente. Sofreu muitas, muitas mudanças. Antes havia uma identidade maior naquelas gentes, naquelas zonas, do que agora. Não me parece que se viva hoje o que se vivia. Não da mesma forma, pelo menos.

Vive-se pior ou melhor?

É muito difícil fazer essa análise. Digamos que na minha altura vivia-se muito o culto do café, das saídas até tarde. Era frequente vermos em Vila Franca famílias a passearem à meia-noite e tal na rua. Chamava-se até a Vila Franca e Xira a Sevilha portuguesa.

Ter passado a sua infância no campo moldou a sua personalidade?

Sim, moldou. Repare, a minha infância foi passada em Alhandra, uma vila operária, mas vivia no lado dos montes, do campo. Vivia num prédio e, no entanto, os meus primos tinham uma quinta mesmo em baixo. Eu ia ao leite à vacaria dos meus tios. Lembro-me perfeitamente disso.

Tinha cavalos?

Tinha. Um tio-avô tinha cavalos e eu tinha uma égua, a minha égua, a Estrela [sorri].

Essa influência ajudou-a a preparar-se para a Laura de Sol de Inverno, que também tem uma ligação com cavalos?

Curiosamente, já fiz imensas personagens com relações com cavalos [risos]! É para aí a terceira ou quarta vez que faço de proprietária de uma quinta.

A que é que isso se deve?

Talvez porque sei montar. Mas isso no início. Agora não. Acho que é uma coincidência.

Deixe-me brincar: é mais fácil contracenar com pessoas ou com animais?

É mais fácil contracenar com pessoas, por amor de Deus [gargalhada].

"No fundo, aquilo que gosto mesmo de fazer são composições"

Em Sol de Inverno voltamos a vê-la como vilã. Como é voltar a este registo?

Não lhe sei dizer exatamente se esta personagem é a vilã da história. Digamos que vou deixar o público decidir isso. É evidente que há uma personagem que acaba por ter reações menos positivas. Mas as pessoas são todas inesperadas e a novela vai mostrando as várias facetas desta mulher. E não a considero uma vilã no sentido comum do termo.

Mas admite que tem um lado malvado?

Vamos ver, vamos ver. O público vai ver isso.

Estes papéis dão-lhe mais gozo?

Diria que as personagens mais negativas dão sempre muito gozo fazer, porque são trabalhos em que a composição nos permite divagar mais. Já fiz três vilãs, todas de formas diferentes. Uma era absolutamente cómica, a de Doce Fugitiva. A de Feitiço de Amor era extremamente tímida, com um defeito que era a sua gaguez. Nada o protótipo de uma vilã forte, e agora esta, que é um soldado, um militar.

Em que sentido?

É uma mulher com uma dinâmica e uma força quase masculinas. Quase que rouba o lugar que é dado normalmente ao homem na sociedade. No fundo, aquilo que gosto mesmo de fazer são composições. E às vezes acerto, outras vezes não. Mesmo quando faço as boazinhas às vezes faço-as bem, outras não.

Está satisfeita com o que já viu?

Estou mesmo muito satisfeita.

Uma forma de sentir que o trabalho está a correr bem é falarem-lhe mal da sua personagem na rua?

Não. É exatamente o contrário. O público adora os vilões e diverte-se comigo quando faço vilões. Quando faço as boazinhas dizem-me: "Ai, filha, o que você sofre" [gargalhada]. Com as vilãs é completamente diferente. Dizem-me: "Eh pá, você é mesmo levada da breca" [risos].

É por isso que gosta mais de encarnar vilãs?

Não, não é por causa do público. Não faço as coisas a pensar naquilo que o público vai gostar ou não de ver. Se estivesse a pensar nisso, meu Deus! Tenho é de fazer um trabalho que dentro da minha equipa resulte numa coisa que nos preencha a todos. Isso é que é fundamental.

Esta novela vem substituir o remake de Dancin" Days, que marcou o ponto de viragem na ficção SIC, e a tornou líder de audiências. Sente uma responsabilidade acrescida por protagonizar a sucessora?

Esse peso existe em termos da produção, com certeza, porque há algo que é importante continuar... shares, audiência e tal. Mas não sinto muito isso. Claro que gostava que a novela fosse um êxito, que as pessoas gostassem, que a vissem.

As audiências não a preocupam?

Não me preocupam muito, mas tenho-as em mente. Não sou ausente em relação a isso.

Que expetativas tem em relação à novela?

Altas, altas, claro!

Sente que os portugueses também têm uma expetativa alta?

Sim. Antes de a novela se estrear, havia quem me dissesse que já a tinha visto. É incrível. Encontro pessoas na rua que me dizem: "Já vi a sua novela." E respondo: "Mas ainda não se estreou." E as pessoas insistem [gargalhadas].

Sol de Inverno aposta em temáticas que não estamos habituados a ver na televisão, como a adoção homossexual, a doença renal. É importante a ficção estar mais próxima da realidade?

Sim. E a ficção tem um papel fundamental na educação das pessoas e o grande trabalho da novela, aquilo que explica o seu sucesso, tem que ver com isso, com o facto de as pessoas verem para perceber melhor algumas coisas e para perceberem situações que têm que ver com elas mesmas.

Está a gravar desde maio e só agora a novela chegou ao ecrã. Este tempo de intervalo beneficia ou prejudica o produto?

É um terreno um bocadinho estranho...

O ideal seria que gravasse sempre com muito menos tempo de distância?

Não lhe sei responder a isso. Acho que não há um padrão. Já fiz novelas assim que foram êxitos extraordinários. Mas já fiz outras que resultaram menos bem. São tantos fatores...

"Amo fazer novelas. Amo fazer televisão"

Com as novelas a gravar cada vez mais rápido, com tantas produções em simultâneo, estamos perante uma ficção cada vez mais industrial?

Sempre foi assim. Sempre gravei imenso. Desde que comecei a fazer novelas, desde que a NBP começou.

A ficção em TV sempre foi uma indústria?

Já era assim. Já se trabalhava muito. E este produto é um produto que se faz assim. Era desejável que fosse em menos tempo, que chegássemos a ter pelo menos mais tempo de ensaios e gravar um bocadinho menos.

Este lado industrial não prejudica a arte de representar?

Não, nada. Às vezes tenho muito tempo para fazer algo e aquilo sai uma coisa menos boa... e às vezes faço uma coisa assim [estala os dedos] e aquilo é bestial. Não sei se posso dizer isto assim. Às vezes até tenho medo de falar das coisas assim, porque também sou um bicho raro na representação. Há pessoas para quem o tempo será muito importante, não duvido.

Porque diz que é um bicho raro?

Porque sou muito rápida. Não percebe que sou muito rápida? Tudo à minha volta tem de acontecer a um ritmo alucinante para eu funcionar bem [risos]. Quanto mais as coisas estão em andamento e aceleradas mais fácil para mim é estar concentrada e trabalhar.

Sei que decora as suas cenas poucos instantes antes de começar a gravar.

É verdade. E já me disseram que o António Fagundes faz isso [risos]. Eu decoro várias coisas, funciono muito assim. Trabalho muito a emoção de cada momento, o sítio onde estou, a ação, e depois de isto tudo decorado quando estamos a ensaiar, o texto vem.

Faz novelas por gosto ou por dinheiro?

Amo fazer novelas. Amo fazer televisão. Faço televisão desde os meus 20 anos. Há trinta anos! Tenho quase 50! Está a ver? Um plateau é para mim algo delicioso. O trabalho da equipa, essa urgência que não há no teatro, ou que há menos no teatro e que às vezes cansa-me um bocado, sou franca. Por isso é que gosto de encenar, tenho uma outra dinâmica na encenação. A televisão tem uma mecânica diferente. Muito mais perto da minha.

Portanto não faz novelas por dinheiro, mas por gosto?

Por gosto e para ver aquelas pessoas tão diferentes de mim a trabalhar juntamente comigo numa só coisa.

Fazer novelas também é uma arte?

É uma arte, sem dúvida!

Mas sente que há pessoas que olham para a novela como uma arte menor, até por atores?

As pessoas quando dizem isso não estão bem a querer dizer isso. Talvez a rapidez que é colocada no ritmo dos projetos as leve a achar que estão a fazer coisas menos importantes ou menos interessantes. Às vezes estão enganadas. A novela é muito importante, chega a muita gente.

Depois da sua última novela a tempo inteiro, Sedução, fez uma participação especial no primeiro episódio de Doce Tentação e esteve escalada para Doida por Ti, acabando por dizer não. Porquê?

É verdade. Estava muito envolvida no meu projeto em Ponte de Sor. Tinha muito trabalho lá, não queria fazer uma novela logo a correr. E foi naquela leva de contratos que foram acabando. Optei por não fazer o projeto.

Nessa altura sentiu que a TVI ficou chateada com a sua decisão?

Penso que não. Pelo contrário. As coisas ficaram bem. Disseram-me: "Não fazes esta, farás outra. Haverá outro projeto para ti."

Houve algum convite entretanto?

Houve. Para uma outra que agora está no ar.

Qual?

Prefiro não dizer, mas está a chegar ao fim.

Porque não aceitou?

Porque já tinha este convite da SIC e da SP.

O que é que a fez dizer sim a Sol de Inverno? Era um namoro antigo com a SIC?

Assim que houve o afastamento do António Parente [atual presidente da SP Televisão] da NBP e a formação da SP já estava indicada para fazer o remake da VilaFaia. Havia essa vontade. Na altura não pude porque estava comprometida com o projeto Plural. Agora houve oportunidade. Mas isto não quer dizer que daqui a uns anos não volte a estar nos outros sítios.

"Lido muitíssimo bem com o passar dos anos"

Nesta novela trabalha muito com jovens atores. Ao vê-los recorda-se dos primeiros tempos da sua carreira?

Acho que estou sempre no início de carreira. [gargalhada]. Por isso, sim. Vejo-me sempre a ter de provar tudo outra vez.

Por ser muito exigente consigo própria?

Se calhar. Mas deixem-me estar. Gosto de ser assim. Gosto de ter esta infantilidade, esta inocência, de ser ingénua permanente.

Tem 48 anos. Tem receio de que o trabalho comece a diminuir e que, por ser mais velha, esteja condenada a um determinado tipo de papéis?

Não é algo que me preocupe. Mas acha-me assim tão velha [risos]?

Eu não! Estou apenas a questioná-la.

Meu Deus [gargalhadas]!

Como é que lida com a idade?

Lido muitíssimo bem. Quando tinha para aí os meus 20 anos, achava que quando tivesse 50 ia-me sentir sei lá como. Chegar aos 50 anos e estar com a mesma inocência e continuar a acreditar nos outros da mesma forma que acreditava quando era mais nova é muito bom. Mas sobretudo há uma coisa que noto que já não me dói tanto. As desilusões.

A sua idade é um peso ou um estatuto?

Não sei responder-lhe a essa pergunta. Não é um peso pelas razões que já lhe disse. E os estatutos são bons, mas não são para mim.

Trinta anos depois do primeiro papel continua a ser desafiante dar vida a outras pessoas?

Claro. É maravilhoso. Sempre. Embora lhe diga que o ator tem de estar lá sempre. É por isso que somos artistas, porque pintamos as nossas personagens. Desenhamo-las. Fazemo-las. E para as fazer não é uma entidade que vem e se apodera do meu corpo e de repente interpreta. Sou eu que estou lá. Sou eu que estou a pintar.

Sente que já deixou uma marca?

Acho que não, muito sinceramente. E ainda bem. Não quero deixar marca na televisão. Eu quero é ser feliz e viver a minha vida, o melhor possível. Ser feliz a fazer o que faço e impressionar os outros, porque é para isso que trabalho. Agora quem deixa marca é o Picasso. A Pina Bausch deixa uma marca. O Dalí deixa uma marca. Eu não vou deixar marca nenhuma, amigo [risos]!

Foi fácil chegar até aqui?

Passei por muitas dificuldades interiores. Tive sempre muita sorte na vida, sou franca. Também fiz por isso. Trabalhei muito, mas há pessoas que trabalham muito e mesmo assim não têm as possibilidades que eu até à data tenho tido. Passei por muitas dificuldades interiores e ainda passo. Sofro bastante a trabalhar. Interiormente. Questiono-me muito. Procuro muito. E isso cansa-me muito. E aí, realmente, o peso da idade já começa a sentir-se.

Alguma vez pensou desistir da carreira?

Não. Nunca.

Nunca quis ter outra profissão que não a de atriz?

Muitas outras. Eu por mim fazia tudo na vida. Adorava pintar, ser médica, veterinária, agricultora. O que gostava mesmo, mesmo era de andar num trator a lavrar terra. Isso é que era!

Porquê?

Adoro! O cheiro da terra, o ficar suja. Adoro cavar. Regar a rego aberto com a água a correr, com os pés descalços. Adoro ficar suja, tomar um banho, comer, fazer um jantar maravilhoso, beber um vinho com os amigos ao fim do dia. Adoro essas coisas todas boas da vida. E gostava de ter sido tudo basicamente. Gosto de ser mãe. Adoro ser dona de casa. Também podia ter sido só isso. Gosto imenso. Gosto de bordar, de lavores femininos. Sei bordar bastante bem, ensinaram-me essas coisas todas.

E de onde veio a vontade de representar?

Vem desde sempre. É quase uma coisa que nasceu comigo.

Mas sei que quando era pequena queria fazer algo que não lhe desse muito trabalho.

Enganei-me bem, não é [risos]? Mas se pensar bem, desde sempre tive esta vontade de me mostrar aos outros.

Tentou também a sorte noutras artes...

É verdade. Andei na Escola Secundária António Arroio, mas não tinha jeito nenhum [risos]. Para desenhar, para pintar... Mas gosto muito! E insisto bastante nisso. Em pintar. Aliás, tenho lá uma tela em casa para pintar com um dos meus filhos, assim que tiver tempo.

Ter experimentado outras artes fez de si uma atriz multifacetada?

[pausa] Todos os atores são multifacetados. A palavra ator já encerra isso. Portanto...

Considera-se boa atriz?

Considero que hoje tenho instrumentos suficientes para, pelo menos, parecer que sou [gargalhada].

A sua forma de representar mudou muito ao longo destes trinta anos?

Quero acreditar que sim.

E hoje como se representa é muito diferente do que acontecia quando começou?

Não. E eu tive a sorte de conhecer atores absolutamente extraordinários no meu tempo que me inspiraram. Quando se pode assistir à Eunice Muñoz a representar, ao Luís Miguel Cintra, ao Jorge Silva Melo, à Maria do Céu Guerra, ao Orlando Costa, a tantos outros... não se pode pedir mais.

"É difícil o teatro resistir aos cortes do estado. Mas resistirá e vai resistir sempre"

É muito diferente fazer televisão e fazer teatro?

É diferente. Têm técnicas diferentes. Tanto o teatro, como a televisão, como o cinema.

De qual gosta mais?

Gosto de fazer televisão. Muito. E gosto muito de estar em palco. Imenso. Bem, gosto basicamente de tudo o que é a minha área.

Mas há diferenças entre os atores de teatro e os atores de televisão?

Hoje em dia isso já não se coloca. Os atores de teatro fazem televisão. Não há aquele ator que não faça televisão. É já muito raro.

Não se considera nem uma atriz de teatro nem uma atriz de televisão?

Sou uma atriz. Faço o que for. Se me apetecer fazer. Também posso dizer que não. [gargalhada]

Começou nos palcos e ainda hoje se mantém por lá. É difícil fazer teatro com os cortes a que a cultura tem sido sujeita em Portugal?

É difícil o teatro resistir. Mas resistirá e vai resistir sempre. Agora isso não pode ser pretexto para de repente se ir cortando cada vez mais e acreditar que as pessoas sobrevivem na mesma. É preciso haver apoio à cultura, sim senhor. E que esse apoio seja dado para que as pessoas possam trabalhar regularmente com qualidade e com dignidade.

Como vê o desinvestimento na cultura?

Tristemente. É urgente que se acredite mais na cultura, que se faça um investimento maior na cultura. Que as salas de teatro estejam mais apoiadas. Um povo sem cultura é um bebé. Não sabe nada. Não tem caminho, não tem critério. Não consegue decidir. Não tem poder de decisão. É manipulável. Não pode ser, não podemos andar para trás.

Em 2008, criou o projeto Teatro da Terra, em Ponte de Sor. Cinco anos volvidos, qual é o balanço?

O balanço é muito, muito positivo. Temos resultados de trabalho absolutamente extraordinários. E este ano fomos apoiados finalmente. Conseguimos um apoio bianual, que espero que vá manter-se por mais alguns anos. Embora o apoio fique aquém daquilo que precisaríamos. Mas já é qualquer coisa, que nos permite respirar um bocadinho melhor. Estamos a pensar fazer ao mesmo tempo, até porque sentimos essa responsabilidade, agora que temos o apoio, de editar os textos inéditos que vamos apresentando quase anualmente .

Acredito que têm sido tempos de muita ginástica financeira...

É muita ginástica, de facto. Temos tido a ajuda da Câmara Municipal de Ponte de Sor, que felizmente nos dá um apoio anual, que basicamente garante um gabinete de produção a funcionar.

Quantas pessoas estão a trabalhar consigo?

É muito variável, depende do projeto. Há uma base que sou eu e o Pedro Domingos, que é meu marido e o diretor técnico e diretor de produção da companhia. Logo aqui é uma acumulação enorme de trabalho para duas pessoas que seria muito melhor que não tivesse de acontecer assim.

Não se arrepende de se ter mudado para o Alentejo?

Não, nada. Tenho aprendido tanto. Aprendi uma coisa fundamental: aquilo para que tenho vocação, sobretudo, é para trabalhar com as pessoas. Mostrar-lhes aquilo que faço. Como é que o faço. Como é que num processo chegamos a um ensaio final. Gosto de abrir os ensaios ao público, de o ter lá dentro. A dar opiniões. De partilhar ideias com ele. Gosto de ensinar qual é a minha arte. Gosto que a vejam.

São projetos como estes que se tornam importantes para ultrapassar a crise na cultura e o desinvestimento do Estado?

São extremamente importantes. Lá está, são projetos que dinamizam culturalmente as populações mais afastadas dos grandes centros. As pessoas têm de ter acesso à cultura também. Não é por estarem longe que ficam sem acesso a ela. E tentamos fazer isso com o Teatro da Terra. E agora talvez com este apoio do ministério consigamos até fazer esse trabalho melhor.

Os portugueses vão cada vez menos ao teatro ou isso é um mito?

Não. Os portugueses vão cada vez mais ao teatro. Têm é menos dinheiro. É uma abordagem do tema completamente diferente. As pessoas querem ir. Você faz um espectáculo à borla e ele está cheio. Aliás, as segundas-feiras dos teatros, quando fazem sessões à borla, enchem completamente. Mas com cinquenta por cento da população no limiar da pobreza, o que é que se pode fazer?

De que forma é que a crise que o país atravessa afetou o seu dia a dia?

Afeta o meu dia a dia porque gostava de não ter de ver tanta gente pobre na rua. Gostava de não ter de saber de tanta miséria, de tanta violência, de tanta coisa triste. E não é só a crise em Portugal. É a crise mundial. É a única coisa que afeta a minha felicidade e a minha alegria. E afeta-me muito. Não sou feliz por causa disso.

Mas já fez cortes no seu dia a dia?

Claro que tenho de os fazer. Todos nós temos. Então uma família como a minha, de cinco pessoas, três filhos adolescentes. É muito complicado.

A educação que lhes passa também já é a pensar nisso?

Claro, sem dúvida. É muito a pensar nisso. Aliás, eles são miúdos muito bons a esse nível, com cabeça. Eles percebem bem que a vida não é uma coisa muito fácil.

E como vê a instabilidade política do nosso país?

[pausa] Às vezes interesso-me de mais por essas questões. E assusta-me um bocadinho. Assusta-me, sou franca. Fico assustada com o nosso futuro.

Qual é a sua ideologia política?

Sou uma pessoa de esquerda, sempre fui e nunca escondi isso. O meu pai também era. Não sou filiada em nenhum partido político, mas defendo sobretudo os valores da liberdade das pessoas, do não preconceito e da igualdade, da solidariedade.

Costuma votar?

Sim, costumo votar.

E neste momento também defende a saída de Pedro Passos Coelho do governo?

[pausa] Acho que tem de haver uma solução para o nosso país. E essa solução não pode passar por todos termos de sofrer. E sobretudo uma classe média ter de sofrer quando ainda há tanta desigualdade social.

Via-se a iniciar uma carreira política?

Não tenho muito talento para essas coisas, sou franca. Sou atriz. Só, mais nada. E represento muito melhor no palco de um teatro do que no palco da política. Mas acho que há ótimos atores nesses palcos. Excelentes.

É uma cidadã ativa? Costuma ir a manifestações?

Tenho muito pouco tempo para ir a manifestações, sou franca. Mas sou ativa enquanto presente, enquanto vejo a minha cabeça a pensar nessas coisas.

"Sou uma mãe bastante galinha"

Como é a vida de uma mãe atriz?

É difícil, complicada. Como a vida de qualquer mãe que trabalha, porque temos de os deixar.

É uma mãe galinha?

Sou uma mãe bastante galinha. Embora, pressinta que tenho de dar o outro lado. Tento fazer uma gestão justa. Um equilíbrio justo.

Como já referiu, é casada com Pedro Domingos, técnico de som e de luz, com quem divide a gestão do Teatro da Terra. É difícil ser casada com alguém que também trabalha num mundo tão instável?

É verdade, temos os dois uma profissão instável. É assim um bocadinho assustador às vezes, sim.

E é fácil deixar o trabalho no trabalho e ir para casa e esquecer isso?

Às vezes. Outras vezes não. Mas tem de ser assim [risos].

Sei que não gosta muito de redes sociais. Porquê?

Não gosto muito, não. Nem sequer tenho computador! Os meus filhos têm. O meu marido tem o computador da empresa e do teatro. Às vezes vou à internet quando tenho de ir ver alguma coisa. Mas tecnologias não são a minha praia, assim como acho muito perigoso para a humanidade, que pode tornar-se devastadora. Quase uma doença.

Alerta os seus filhos para isso?

Alerto-os constantemente para não estarem tanto tempo ao computador, o que é muito difícil de conseguir fazer para um adolescente hoje em dia. Felizmente tenho um que joga basquetebol, o Jaime, que sai muito para os treinos e tal, é federado. O do meio, o Artur, é mais agarrado às tecnologias, tenho mais dificuldade. Mas mesmo assim consigo. Eu é que mando.

E o Lucas, o mais novo, pode vir a seguir as pisadas da mãe. Porquê?

Poderíamos vir a ter um ator, sim. Não sei qual será o futuro dele. Mas é um facto que há um olhar e uma atenção que ele tem sobre o efeito que causa sobre os outros, que é absolutamente inacreditável. E que eu agora pressinto que devia também ser assim.






























































NTV

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